BPM – Ritmo, Vibração, Evolução Moby no LM Music, em São Paulo, em 1993. Foto: Ruth Slinger

Exclusivo: Dupla de videomakers anuncia série documental sobre música eletrônica

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Com seis episódios, BPM – Ritmo, Vibração, Evolução, de Ronaldo Mendonça e Ruth Slinger, ainda não tem previsão para chegar às plataformas

No maior estilo “testemunha ocular da história”, os videomakers Ronaldo Mendonça e Ruth Slinger juntam câmeras (e quilômetros de rolos de filme) para dar início ao projeto de uma série que contará passado, presente e futuro do cenário eletrônico brasileiro. Com exclusividade ao Music Non Stop, a dupla anuncia a chegada da série documental BPM – Ritmo, Vibração, Evolução.

BPM

Ronaldo Mendonça e Ruth Slinger. Fotos: Arquivo pessoal

BPM terá seis episódios, boa parte deles mergulhada no extenso acervo da dupla. Ao lado do irmão, o DJ Carlos Soul Slinger, Ruth foi figura central no embrionário cenário de festas e raves brasileiras no início da década de 90, com atuação também em Nova Iorque, de onde trazia e e levava referências. A artista nunca parou de registrar, e na fase “pós-rolê”, já produziu documentários sobre a COP15, a cultura da dança e a cena underground de Nova Iorque.

Ronaldo Mendonça não ficava atrás quando o assunto era perambular pelas festas com uma câmera na mão. Já produziu documentários sobre a Parada da Paz, o Mercado Mundo Mix, o programa See The Sound (ao lado do grande Renato Lopes), cuidou do canal D-EDGE TV e traz na bagagem entrevistas com centenas de DJs brasileiros e estrangeiros.

Apesar de já estruturado, BPM ainda está dando seus primeiros passos e, no meio da entrevista, Mendonça e Slinger trocam ideias de roteiro — o que achei o máximo. O papo rolou criativo, e flutuou para o futuro da música, comunidades ecológicas, a cultura do WhatsApp e muito mais. Confira!

BPM – Ritmo, Vibração, Evolução

Gui Boratto no lançamento de seu segundo álbum no Clash, em 2009. Foto: Ronaldo Mendonça

Jota Wagner: o que vocês andam fazendo hoje em dia?

Ruth Slinger: Eu sou videomaker, nunca deixei de ser. Passei a morar nos últimos 14 anos na Bahia, em uma ecovila. Fiz documentários sobre o lugar onde moro, sobre sustentabilidade… Também fiz um sobre o underground dos anos 90 de Nova Iorque. Tudo o que for legal me interessa.

Ronaldo Mendonça: Sigo fazendo vídeos. Fiz a D-EDGE TV por muito tempo. Parei em 2018 e estamos tentando reativar agora. Faço muitos vídeos para o [músico] Guga Stroeter, no projeto que ele faz na casa/estúdio que ele mantém. Na verdade, onde eu vou, estou registrando. Não consigo ir a algum lugar e não dar uma filmadinha.

Qual a diferença em se fazer um documentário sobre algo que se viveu intensamente, no lugar de um tema em que temos uma distância histórica?

Ruth: Eu acho que a gente é uma coisa só. O resto é trabalho para psiquiatras e psicólogos. A gente estava lá. Eu em alguns lugares, o Ronaldo em outros, e temos os encontros. Fiz pela primeira vez o VJing em uma festa, sem máquinas estratosféricas, mas com um mixer e um preparo de imagens. No LM Music, de 1993, foi a primeira vez que se usou imagem no Brasil.

Foi o primeiro festival de música eletrônica do país, inclusive…

Ruth: Isso mesmo. Mas enfim, cada um teve sua experiência. O Ronaldo estudou fora. Eu mal estudei. Faço o que eu amo, que é gravar o movimento de qualquer coisa que me interesse. No campo da música eletrônica, um mundo que nós dois frequentamos. O fato é que o Ronaldo me chamou para alguma coisa, conversamos e veio essa história de fazer esse encontro de duas pessoas que estiveram três décadas participando. Então, sobre sua pergunta, não dá para separar muito. E mesmo quando as pessoas escolhem um tema sem entender nada, também funciona. Estive agora com o Guto Barra, que fez o Bateau Mouche. Ele não viveu aquilo, é mais jovem e tal. Mas se você vai pesquisando, entra de cabeça, faz entrevistas… Aí não tem como.

O material em vídeo que irá para a série BPM é do acervo de vocês?

Ruth: Sim. É um início de projeto em que já temos o acervo.

Como serão separados os temas de cada um dos seis episódios?

Ruth: Acho que em ordem cronológica, falando do passado, e o último, pensando sobre o futuro. Temos um arquivo de imagens bem disposto, do Brasil inteiro. Algumas serão gravadas depois de captar a história. Onde está a música eletrônica hoje? Quais suas festas? O que é importante? Em Nova Iorque, por exemplo, o jungle está voltando com tudo. Mas a coisa começa aqui mesmo, em 93 com a LM Music, e depois com as ravezinhas, antes do Hell’s Club.

BPM – Ritmo, Vibração, Evolução

World DMC em São Paulo, 1995. Foto: Ruth Slinger

Em que ponto da produção está BPM?

Ronaldo: Está bem no início. Ainda não estamos na captação de recursos. Resolvemos juntar nossas forças e lançar o projeto. As coisas vão acontecer naturalmente.

Todo esse começo no Brasil foi muito romântico. Acreditávamos que iríamos alcançar a paz mundial dentro de uma rave ou jogando ecstasy na caixa d’água da cidade…

Ronaldo: Isso mesmo. Acreditávamos!

Hoje tudo se transformou em uma indústria de entretenimento…

Ruth: Eu acho que tudo muda o tempo todo no mundo. As nossas referências eram outras. Eu tinha uma câmera na mão, o Ronaldo outra, mas de resto, todo mundo ia para se divertir. Hoje tem festas chegando ao ponto de proibir o uso do celular. Eu já fiz outras exposições e revi muitas vezes meus conteúdos. As pessoas usavam as mãos para erguer pro alto ou abraçar. Hoje, elas estão ocupadas. Todo mundo quer postar, quer fazer conteúdo.

BPM – Ritmo, Vibração, Evolução

O duo sul-africano Goldfish na Pachá São Paulo, em 2008. Foto: Ronaldo Mendonça

Também havíamos saído dos anos 80, um tempo de começo de democracias e de revoluções no mundo, em outras áreas. Agora é outra era, uma de fim de mundo, de um recomeço. Cada época tem seu lance, e não é mais nem menos do que nada, só diferente.

Ronaldo: Essa coisa do celular não é só na música, mas em tudo. Hoje você vê quatro pessoas jantando juntas em um restaurante e cada uma está olhando seu celular. Claro que a gente fica num saudosismo. Antes você estava com uma pessoa. Agora está com ela e mais 50 no WhatsApp, ao mesmo tempo.

Nós, seres humanos, somos predestinados a estragar boas ideias?

Ruth: Não, Jota. Eu acho que a nossa civilização é que foi desenhada errada. Eu jamais pego o telefone se estou com gente, muito menos em restaurante. E olha que eu tive privilégios, ganhei o primeiro celular com câmera da Sony. Tive um canal de TV na internet antes de existir o YouTube. Sempre quis fazer comunicação como resistência pela educação. Acho superlegal fazer documentário. Isso está valorizado nos últimos anos, e a o movimento da música eletrônica foi enorme, transformador de comportamento e de linguagem. Essa história tem de ser contada.

BPM – Ritmo, Vibração, Evolução

Otto entrevistando o rapper americano Afu-Ra para o “Fantástico”, da TV Globo, depois de se apresentar na Ecosystem 1.0, em 2001, na Amazônia. Foto: Ruth Slinger

Como essa ideia da série BPM surgiu?

Ronaldo: No ano passado, algumas pessoas vieram me procurar pedindo materiais brutos que eu tenho. A mesma galera também procurou a Ruth. Então tive a iniciativa de ligar para ela. As pessoas queriam tudo de graça e nós não sabíamos nem mesmo quem iria editar. Chegamos a um acordo, eu e Ruth, de que não abriríamos mão desse material.

Ruth: Reencontrei o Ronaldo na casa do Guga Stroeter, em uma festa. Ele falou de projetos, editais, etc., e combinamos de conversar mais. Quando o telefonema chegou, já estávamos ambos contando nossas histórias para esse projeto, e então nos perguntamos: “por que não fazer  juntos”? Não documentar isso seria até mesmo uma falta de civilidade, porque são histórias legais, não contadas.

Considerando que ambos já têm vários documentários relacionados ao tema na carreira, este seria um fechamento de ciclo para o assunto?

Ruth: Olha, para mim… Em minha humilde posição na vida, é apenas um desejo de juntar o material. Já enxergamos ele como um todo para fazer essa série. Poxa, são seis episódios legais para caramba, somos duas pessoas superindicadas para fazer isso.

Ronaldo: Acho que não tem como descrever que é uma obra definitiva, mas é esse período, este final dos anos 80 e meados dos 90, que a gente quer registar e ótimo, seguir mais para a frente. Nesse bloco, pode ser definitivo. Vamos ouvir tudo mundo. Agora que a história está lançada, muita gente vai nos procurar para contar suas histórias.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.