Anna leva prêmio de melhor DJ do RMC: “me falaram que meu som tinha que ser mais comercial”

Claudia Assef
Por Claudia Assef

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A DJ Anna é uma daquelas craques que ficaram grandes demais pro Brasil. Há cerca de um ano, ela se mudou de São Paulo, onde morava com o marido, Wehbba, para morar em Barcelona. Na noite desta quarta (27), Anna levou o prêmio de Melhor DJ Underground da Rio Music Conference – foi a primeira mulher a ser premiada como DJ, aliás.

Se 2015 já foi um ano especial para Anna – entre outras conquistas, ela foi uma das DJs best sellers no Beatport, pah! – este ano promete pra ela, tanto para sua faceta produtora (e olha que ela já remixou até Green Velvet e tocou nos programas de Carl Cox e John Digweed) quanto para sua persona DJ 2016 promete, não é, Anna? Leia esta entrevista que fizemos com ela, ainda no calor da notícia de seu prêmio de Melhor DJ do Under.

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Music Non Stop – Como se sente tendo recebido esse prêmio, especialmente agora que você está morando fora do Brail?
DJ Anna – Foi uma surpresa muito grande pra mim, eu não sabia que estava concorrendo, ninguém tinha me avisado, só hoje fui saber que estava concorrendo nessa e em mais outras duas categorias. Fiquei muito, muito feliz, pois é um prêmio dado pelos colegas de profissão, por todos que trabalham e conhecem bem a música eletrônica no Brasil. É muito gratificante ver meu trabalho sendo reconhecido no meu país, especialmente por tudo que aconteceu até aqui, há não muito tempo atrás me falaram que eu precisava mudar o meu som, pois meu som nunca iria acontecer no Brasil, pois não era o que estava em alta aqui, que eu deveria incorporar um pouco mais de som comercial na minha música e tocar o que estava em alta no Brasil. Eu sempre segui firme com o que acreditava, mesmo estando com poucas gigs e com pouca demanda. Pra mim, é impossível criar uma música que não expresse meu sentimento e minha personalidade, é através da música que eu me comunico com o mundo, minha música é a minha maior verdade, e estou vendo que isso valeu a pena, continuar seguindo com o que eu amo e acredito, esse prêmio é uma das coisas que me mostraram isso.

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Music Non Stop – Você viveu um ano super especial, com músicas bombadas, muitos sets pelo mundo todo. Como você está sentindo q vai ser 2016?
DJ Anna – Realmente 2015 foi incrível, realizei alguns sonhos, como tocar na festa do Carl Cox na Space Ibiza, mas 2016 já está sendo melhor ainda. Tenho lançamentos importantes agendados até junho, um muito especial pra mim foi no Diynamic, do Solomun, admiro muito o selo, o trabalho que eles fazem é incrível e os artistas do castings são muito talentosos. Foi uma conquista muito grande. Tenho lançamentos vindo pela Get Physical, Suara, Knee Deep In Sound, Exploited, Tronic, Terminal M. Nunca sabemos como tudo vai se desenrolar, mas, por enquanto, 2016 está com uma cara boa.

Music Non Stop – Como você começa uma produção?
DJ Anna – Isso varia muito de projeto pra projeto. Por exemplo, outro dia eu estava andando na rua e tive uma idéia de um snare roll após ouvir o sinal para deficientes visuais do semáforo. Cheguei em casa, fiz o snare roll e construí a música em cima dele. Caso eu já tenha uma ideia de um hook, um pad, ou um bass, por exemplo, eu sempre começo pelo elemento da ideia. Quando estou sem uma ideia pronta na cabeça, eu sento no estúdio e começo construindo um beat, fico andando pelos presets dos synths e a coisa vai se desenvolvendo…

Music Non Stop – Agora que você está distante do Brasil, você está bombando aqui. Você acha que seu som não é pro Brasil?
DJ Anna – Meu som não é o que agrada a grande massa da cena de música eletrônica do Brasil, realmente tenho tido muito mais espaço fora, mas eu vejo que tem muito público sim, e cada vez maior. O que me incomoda um pouco no Brasil é que sinto falta de aceitação da diversidade cultural, de busca pela liberdade, o consumismo tomou conta do gosto musical,  quando um estilo está em alta todos só tocam, produzem e querem ouvir aquela mesma coisa. A maioria das pessoas que se dedicam a se tornarem artistas fica limitada à vontade de um público do qual inclusive fazem/faziam parte, e acaba virando produto ao invés de produtores. Há pouco mais de uma década atrás isso era muito diferente. Eu ia pro Lov.e, por exemplo, sem saber o que eu ia ouvir, mas eu sabia que teria uma experiência incrível.

Anna tocando no Amsterdam Dance Event (ADE) 2015

Music Non Stop – Você foi uma das top 10 em vendas de techno no Beatport em 2015…
DJ Anna – Outra conquista que me deixou muito satisfeita, eu lancei bastante música em 2015, e todas entraram para o top 100 Fiquei muito tempo nos charts com Where Are You Now, que chegou em #2 e com o remix para Nervo, isso ajudou bastante

Music Non Stop – Como você tomou gosto pela música eletrônica?
DJ Anna – Meu pai sempre foi dono de clube [clube Six, em Amparo] e era DJ e desde criança eu viajava com ele toda semana para São Paulo, para comprar discos de vinil nas galerias Ouro Fino e 24 de Maio. Eu adorava, era um super programa pra mim. Com 14 anos eu comecei a discotecar no clube, um dia fui reclamar do DJ residente e meu pai sugeriu que eu tocasse no lugar dele. Eu aceitei, mas eu tocava música brasileira, axé, rock. O clube tinha cinco pistas e uma delas tocava música underground, chegou uma época em que eu comecei a pedir pra alguém assumir a cabine por um tempo e eu dizia que ia ao banheiro, mas na verdade ia pra pista de música underground. O primeiro DJ que chamou a minha atenção pra isso tudo foi o Marky, meu ídolo máximo, ele sempre tocava lá no clube, e eu ficava deslumbrada, paralisada, eu amava a música que ele tocava e a atmosfera que ele criava. Então decidi que eu queria fazer o mesmo. Comecei a comprar vinil, praticava cerca de 8 horas por dia, também comecei a pesquisar mais sobre música underground, pois até então eu não sabia muito. Fui descobrindo Juan Atkins, Laurent Garnier, Dave Angel, Darrick Carter, Kevin Sanderson, Derrick May, e assim as coisas foram acontecendo.

Music Non Stop – Qual a sua visão da cena eletrônica do Brasil agora que está morando fora?
DJ Anna – Eu acho que a cena está crescendo cada vez mais, vide grandes festivais realizando edições no Brasil. Temos alguns dos melhores clubes do mundo, e também excelentes produtores, mas o que eu sinto falta no Brasil é de uma abertura maior para o novo e para o que não é mainstream. A cena de nove anos atrás tinha essa abertura, DJs como Laurent Garnier, Derrick May, Carl Craig, Technasia, só para citar alguns, vinham tocar no Brasil e eram ovacionados. Hoje em dia eles não vêm mais, e quando vem tocam no D-Edge ou Warung, pois não funcionam em outros lugares, é um público pequeno que aprecia, e isso é uma perda pra cena, pois artistas assim tocam muito e no mundo todo. Precisamos de uma cena underground mais forte e com mais cultura. Também gostaria de mencionar alguns núcleos que estão remodelando o underground no Brasil, e trazendo novos adeptos para a cena, como Capslock, Selvagem, Gop Tun e claro D-Edge e Warung, que têm fortemente contribuindo com a música underground por anos e anos.

Where Are You Know – DJ Anna

Music Non Stop – Qual tem sido a parte mais gratificante de estar morando em Barcelona?
DJ Anna – Morar em Barcelona! Eu amo essa cidade, tenho o sonho de morar aqui desde a primeira vez que vim, é uma cidade muito inspiradora, cheia de arte, e é um dia a dia muito calmo, ninguém parece estar com pressa, e na fissura de ganhar dinheiro, como sinto que é em São Paulo. Aqui as pessoas são mais tranquilas, trabalham menos e vivem mais. Só tive alegrias por enquanto.

Music Non Stop – Você tem vontade de voltar a viver no Brasil?
DJ Anna – No momento, não. Eu acabei de me mudar, mas eu vou muito para o Brasil, desde maio já fui três vezes, então dá pra controlar a saudade.

Music Non Stop – Quais são seus planos pra 2016?
DJ Anna – Fazer mais e mais música. Quero me matricular na escola de música aqui de Barcelona e terminar o curso de teoria musical e piano, que comecei no Brasil, mas tive que parar. Talvez este ano eu lance meu primeiro álbum, já falo isso há algum tempo, mas eu sinto que agora é a hora, quero aproveitar essa nova vida aqui em Barcelona, novo estúdio, novos ares, novas inspirações, esse é meu maior objetivo.

Claudia Assef

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Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.