music non stop

Anderson Soares, um dos reis da house no Brasil, está de volta e lança selo próprio. Leia entrevista e ouça set exclusivo

Um dos ícones da cena de house music no Brasil, o DJ e produtor Anderson Soares está voltando com força total às cabines, após um período de estudos.

Com um trabalho já reconhecido e aplaudido dentro da cabine e do estúdio, Anderson agora chega com uma novidade: um selo pra chamar de seu, o Urbano Records. O que motivou a busca por aprimoramento em todos os estágios da produção de um disco – e consequentemente a criação de um selo próprio – foi justamente o sucesso de seu primeiro álbum autoral, Muito Soul, lançado pela Trama, em 2004.

Patrícia Marx & Anderson Soares – Acima dos Sete Mares

Com participações de Patricia Marx, Paula Lima e da cantora americana Mia Tuttavilla, entre outros, o álbum vendeu mais de 20 mil cópias só no Brasil e tornou-se um dos discos autorais mais representativos da cena eletrônica nacional, além de ter sido lançado em mercados como o Japão, a Europa e de ter originado um EP pelo importante selo americano West End Records.

Com o enfraquecimento das gravadoras em meados dos anos 2000, o jeito foi investir no do it yourself. E foi essa independência que motivou Anderson a se aprofundar no métier e se tornar dono de um label.

DJ na essência, Anderson Soares fez o curso de mixagem na lendária escola/loja de discos Rock & Soul, do mestre DJ Grego, em 1989/90, quando tinha apenas 14 anos – ou seja, lá se vão 26 anos de cabine!

Em 1994, na Rock & Soul DJ Store, do saudoso DJ Grego (à dir.)

Ao longo da extensa carreira, Anderson foi moldando seu estilo próprio, muito marcado pelo lado mais soulful da house music. Gênero que preza a alma da música em vez da bombação pura e simples, o soulful house foi disseminado pelas mãos de deuses do olimpo houseiro, como Frankie Knuckles e Marshall Jeferson, em Chicago, que introduziram a estética de piano e vocal nas pistas, e também pela turma de Nova York, que teve Larry Levan e Tony Humphries como precursores, seguidos por Timmy Regisford, David Morales, Louie Vega, Frankie Feliciano, Danny Krivit, Joe Claussell, entre outros. Em Nova York, esse estilo de house sofisticado, que abriu espaço para o surgimento de divas e de verdadeiros rituais nas pistas de dança, ganhou um tempero latino, que se explica pela própria configuração étnica da população local.

Com Andy C e Ricardo Guedes (centro) na Overnight, em 1995: “dream team”

Um DJ como Anderson Soares leva tempo para esculpir. Bem diferente do que acontece hoje, época em que playlists prontos saltam aos olhos em lojas online do mundo todo, Anderson se formou numa época em que se precisava gastar muita sola de sapato atrás de bons discos e informação musical.

Em 1995, no estúdio da Nova FM, em São Paulo

Ele chegou a trabalhar como vendedor na Rock & Soul, loja que era uma espécie de santuário para quem buscava informação e discos de dance music na São Paulo do início dos anos 90 – onde, acredite, esse tipo de mercado era escasso.
Naquele tempo, o rádio FM era um verdadeiro oráculo para qualquer amante de música, uma espécie de escola aberta para todo DJ em formação.

Patife, Bruno E., MC Kontrol e Anderson Soares gravando o Sambaloco Dance Radio

Com a escola poderosa que teve, Anderson Soares não demorou a conquistar um lugar cativo na cena brasileira, fosse no rádio, onde manteve programas em emissoras como Nova FM, 97 FM, Transamérica FM e na segunda versão da Pool FM (que era encabeçada por Ricardo Guedes e Silvio Calmon), ou nos principais clubes e festas do Brasil (tocou nos lendários Columbia, Dolores Dolores, Florestta, Lov.e, Vegas, Disco, na festa Colors, xodó de muito houseiro, entre outros, sempre defendendo a bandeira da house com seu característico fone de ouvido modelo Lollipop).

Anderson Soares tocando no Vegas em 2008 com seu fone Lollipop

Também foram inúmeras as gigs fora do Brasil: ele passou por países da América do Sul, da Europa e pelos Estados Unidos, onde chegou a tocar ao lado das lendas da house como Kevin Hedge e Louie Vega, com quem se apresentou na festa Roots, no mítico clube Cielo, de Nova York.

Bom, é muita história. Então ninguém melhor do que o próprio Anderson pra passá-la a limpo, em entrevista e set exclusivo para o Music Non Stop.

 

Music Non Stop – Você foi aprendiz de quem? Conta quem te colocou no caminho da mixagem perfeita.

Anderson Soares – Eu fiz o curso de mixagem da Rock & Soul em 1989/90. Meu professor foi o DJ Double C., depois fiz um de edição com o Sylvio Muller. E fui conhecendo o pessoal neste tempo. Fiz grande amizade com eles, o Gregão, a Mila e todos que frequentavam a loja. Naquela época íamos às lojas pra comprar discos, mas a gente também ia pra bater papo sobre música, e nisso juntava muita gente dentro das lojas. De iniciantes a DJs já conhecidos, gente de gravadora e fãs de música em geral. Era um ponto de encontro pra ouvir e falar de música. Cheguei a trabalhar na Rock & Soul alguns anos depois. Aprendi muito com todos eles, não só tecnicamente. Trocávamos muitas idéias sobre música e o meio em geral.

Anderson com seu professor, o DJ Double C

Music Non Stop – Quais programas de rádio você ouvia durante a sua formação?

Anderson Soares – Eu ouvia praticamente tudo! Eu era muito novo, não tinha idade nem pra ir em matinê. O rádio era uma das minhas principais fontes. Ouvi o finzinho da Bandeirantes FM, tinha o As Mais Dançantes com todos os principais DJs da época, ouvia muito o Julinho Mazzei e o Radio Flight na Band, na Pan… E logo veio a Nova FM. O Lunch Break era o programa mais ouvido da rádio, tinha o programa da loja de discos New Images do Batata e do Porquinho… A programação toda da rádio era muito boa. Tocava de tudo dentro do gênero dance music. E foi na Nova que eu comecei a tocar no rádio. Essa primeira passagem foi curta. Em seguida estava na Metro FM. E foi lá que eu conheci outra pessoa que me marcou muito através da música e acabou virando um grande amigo, o Luis Benedetti. O programa dele chamava Hot Tracks. E passava depois do meu programa na época, o Oxydance. Que passava logo depois do programa da Sound Factory com o Oswaldo, o Julião e o Marky. Os sábados à noite da Metrô FM eram embaçados! rs

Com o mestre Roy Ayers na festa de lançamento do Nuyorican Soul na WMC em 1997

Music Non Stop – O que te atraiu pra house music?

Anderson Soares – Como eu disse, o rádio era uma das minhas principais fontes. Além dele, as mixtapes gringas, que comecei a juntar logo depois que comecei a me envolver mais. Mas o marco zero foi uma vez que eu estava ouvindo o Julinho Mazzei no rádio. Isso foi em 1989. Ele mandava o programa de Nova York pra cá. E no meio do programa, pra fazer um clima, ele disse algo como: “Vamos dar uma girada no dial aqui pra ver o que toca em Nova York…” Aí ele começou a girar o dial de um rádio, e tocava um pouquinho do que as estações estavam tocando lá, e com aquele barulho de dial analógico entre uma estação e outra, entrava gringo falando, e eu não entendia nada do que cara falava, mudava, entrava música… Mudava de novo. Tudo muito rápido! Imagina o cara trocando de estação sem parar… Aí caiu numa rádio, que não tenho certeza qual era pra te falar o nome, que tava tocando Adeva, Warning. Tocou só um pedacinho… E eu tive um treco! Que porra era aquilo!? Era diferente do que tocava aqui e eu fiquei fascinado! Demorei uns meses até descobrir o que era. Era um remix do Tony Humphries. Foi a primeira vez que ouvi falar dele. E aí minha jornada começou.
Como eu ouvia de tudo, acho que a mistura de black music com música eletrônica foi o que me pegou de primeira.
Aí comecei a caçar os discos nas lojas, a descolar várias fitinhas gringas também, pesquisar, pesquisar… E por aí foi!

Adeva – Warning

Music Non Stop – Como foi ter remixado tantos artistas importantes do Brasil?

Com Paula Lima em 2004 durante as gravações de Muito Soul

 

Anderson Soares –  É uma honra muito grande! Tudo era muito novo e muito grande! Ao mesmo tempo em que estava aprendendo, estava entregando. E a resposta sempre foi muito gratificante. Lançamentos dentro e fora do Brasil, festas com as participações deles em gigs minhas ou minhas em shows deles. Experiência incrível!

Music Non Stop – Qual foi o papel da Trama na formação da cena eletrônica nacional?

Anderson Soares – Eu acho que ela serviu pra pegar uma cena underground, que borbulhava e já tinha seus seguidores fiéis, e mostrar pro grande público. Reverberou a cena eletrônica não só através do lançamento dos CDs, mas também mostrando isso através da grande mídia. Alcançando um público novo. Foi um dos elementos do boom da música eletrônica no Brasil.

Music Non Stop – Seu disco autoral é de 2004. Nesses últimos 12 anos você resolveu focar em remixes e edits? Ou vai lançar novas músicas de sua autoria?

Anderson Soares – De lá pra cá eu acabei fazendo mais remixes. A grande quebra do mercado fonográfico foi em 2005/2006. Teve gravadora que fechou as portas e os artistas começaram a trabalhar independentemente.
Eu tinha acabado de fazer um álbum que foi lançado no Brasil (vendeu mais de 20.000 cópias só aqui), além de ser lançado no Japão, na Europa e originar um EP pela West End Records. Num padrão razoavelmente alto. Pra fazer qualquer outra coisa, eu tinha que manter o padrão do Muito Soul. Mas teria de fazer sozinho devido ao novo cenário e o custo alto.
Então eu fui estudar produção musical, mixagem, música, publishing, tudo. Fui entender o mercado, como funcionava cada um dos estágios pra botar um disco na rua. Da produção até a venda. E entre um e outro, fiz alguns remixes pra cá e pra fora. Me envolvi com publicidade, produzi pra comerciais também… Botei em prática o que estava aprendendo. Nesse tempo também, eu fui montando meu próprio estúdio. Com vários brinquedinhos analógicos. E então senti que chegou a hora. O plano pra este ano é voltar a tocar e já no próximo semestre lançar meu próprio selo, Urbano Records.
Estou com a mão na massa desde o fim do ano passado.

Com Bruno Gouvea, Mimi, Sidney Gome e Jac Jr.: os Housefellas, em 2014

Music Non Stop – Como vc vê a atual cena eletrônica no Brasil?
Anderson Soares – Acho que temos uma cena estabelecida. E com muita gente boa por aí. Clubs, agências, eventos, DJs, Produtores, enfim. A cadeia está completa e estruturada. Bem diferente do que era há 15/20 anos atrás.

Music Non Stop – Do que você sente saudade da cena de quando estava começando?

Anderson Soares – Da cena eu não sinto saudade de nada, não… Pelo menos não me vem nada à cabeça agora.
Eu sinto falta é de alguns amigos que já não estão com a gente.

Just kids: Nuts, Adriana Estrella, Waltinho Bernacca e Gregão na Winter Music Conference, em 1996

Music Non Stop – O que você acha que é mais legal hoje em dia na cena eletrônica?
Anderson Soares – O que mais me desperta são os produtores. É o ponto mais importante na real.
Porque é através das músicas produzidas por brasileiros que colocaremos a cena eletrônica dentro da cultura musical do país. Isso vai ampliar ainda mais o alcance da cena de modo geral.

Ouça o programa semanal Soulful Sounds, de Anderson Soares, que vai ao ar às segundas-feiras pela rádio online americana Handz On Radio, às 16h30 no horário do Brasil, e aos sábados, às 20h, pela D.Wild Music Radio.

Sair da versão mobile