Zoeira, techno e quase 250 músicas próprias: Anderson Noise fala dos 28 de carreira, que ele vai celebrar num bordel

Claudia Assef
Por Claudia Assef
Noise em Tóquio, em 2008

Noise em Tóquio, em 2008

O ano era 2002. Encontro Anderson Noise na fila de embarque de um voo para Londres. A gente já se conhecia, mas nunca tínhamos sentado pra bater papo. Ele consegue trocar de lugar no avião pra sentar ao meu lado. A gente janta, toma vinho, dá risada. Ele me tranquiliza numa hora de turbulência braba: “calma, amiga, nós não vamos morrer ainda não”, ele disse.

3 - Marky + Noise_light

Em Londres, fui com ele no finado clube The End, onde ele ia tocar, e fomos juntos ver “a nega”, apelidinho que o mineiro zoeiro deu ao DJ Marky. Naquele ano, por conta de um mega trânsito na estrada, Noise não conseguiu chegar a tempo de tocar no festival Homelands (em Winchester, umas duas horas de Londres de carro). Ficou puto, mas não se deixou abater.

Daquele ano em diante, Noise passou a tocar em lugares muito mais distantes da sua Belo Horizonte natal. Londres, Tóquio, Lisboa, Amsterdam são algumas das cidades que entraram na sua rota. Consequência de tantas viagens e gigs foi que ele ficou mais conhecido internacionalmente, a ponto de figurar por três anos no top 100 da DJ Mag inglesa – em 2008 ficou na posição de número 26.

4 - Taiwan 2011a_light

Zoando e tocando em Taiwan

Quem conhece o Noise de perto entende que o som que ele toca é realmente a cara dele: divertido e intenso. Das primeiras festas em que tocou como DJ, em 1988, até hoje, muita coisa mudou. Mas não o jeitão de moleque do fundão da sala de aula deste mineiro canceriano de 47 anos, que adora a família acima de tudo.

A intensidade de seus sets se refletem no volume de produções em sua carreira: são quase 250 músicas produzidas, 700 programas de rádio, 13 videoclipes e 10 compilações lançadas por seu selo, Noise Music.

Carl Cox manda um salve de parabéns pelos 15 anos do selo Noise Music

A vontade de ser renovar sempre também é outra característica. Talvez por isso ele tenha se juntado ao maestro João Carlos Martins para algumas apresentações na Sala São Paulo, em 2009.

Noise e o maestro João Carlos Martins

Motivo pra comemorar seus 28 anos de carreira é o que não falta. E ele vai fazer isso do jeito que mais gosta. Tocando muito! A festa dos 28 anos de carreira será num nightclub de “entretenimento noturno”, o Crystal Night Club, na Savassi, em BH. A festa, que ganhou o nome autoexplicativo de Bordel, terá apenas Noise no line-up, fazendo um set de 7 horas de duração.

Ainda como parte das celebrações, ele lançou na última segunda (15) o EP Cybermano. E no próximo dia 26 vai ao ar o programa de número 700 em sua Rádio Noise.

1 - Gravacao do Video Homem-Cchorro 2005 Rogerio + Anderson Noise A_light

Mama Noise, Anderson e o filho, Yan, durante gravação do videoclipe Homem-Cachorro, em 2005

Um cara que olha sempre pra frente. Acho que essa é uma definição justa pro filho da dona Nirce, que os clubbers mais velhos devem ter conhecido nas portas das festas como a hostess mais figura de Belo Horizonte, a Mama Noise. Mas de uma coisa ele sente saudade. “Sinto falta de quando só existia vinil pra tocar, não existia CD-J e muita gente ía ver um DJ porque sabia que só ele tinha aquela música”, disse em entrevista ao Music Non Stop. A conversa toda, na íntegra, você lê aí embaixo.

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A carinha é a mesma, mas os cabelos…

Music Non Stop – Há 28 anos, quando você começou, você achava que DJ seria sua profissão?

Anderson Noise – Em fevereiro de 1988, no primeiro dia em que toquei fora de casa, que foi quando comecei a tocar, sim, eu queria muito que minha profissão fosse DJ. Mas talvez eu já fosse DJ, desde meus 7 anos, quando comecei a trabalhar com meu pai, pintando parede com ele durante as minhas férias, e ganhava meu dinheiro só para comprar discos.

Music Non Stop – O que você vê de legal na cena hoje que não tinha antigamente?

Anderson Noise – Nossa, várias coisas! A facilidade para se produzir uma música e distribuir para os contatos, sem dúvida é muito mais barato e rápido. E a quantidade de clubes, festas e festivais que temos hoje!!!

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Music Non Stop – E o que tinha antigamente e não tem mais hoje e você sente falta?

Anderson Noise – Toca-discos nos clubes! Hoje são poucos os clubes em que podemos encontrar um toca-discos perfeito e com boas agulhas para tocar. Outro dia ouvi uma frase muito interessante de um dono de um clube famoso: “vou fazer uma festa só com toca-discos, e os DJs não vão poder conectar nenhum tipo de equipamento ou computadores”. O que eu estou querendo dizer é que o que sinto mais falta é quando só existia vinil pra tocar, não existia CD-J e muita gente ia ver DJ tocar porque sabia que só ele tinha aquela música e sempre conseguia as que ninguém conseguiria tão cedo. Tenho saudade disso!!!!

Anderson Noise feat. Hugh Burrows – 500 (2012)

Music Non Stop – Apesar da crise, o mercado está aquecido, com muitas festas rolando em várias partes do Brasil. Como você tem visto a cena eletrônica nacional?

Anderson Noise – Sem dúvida estamos vivendo o boom da música eletrônica no Brasil. Não parece que temos crise para baladas, eu já falei com alguns, os novos tops da cena atual, nunca imaginei que um DJ brasileiro pudesse levar tanta gente e fazer o que estão fazendo hoje, receber o que estão recebendo. Eu realmente fico muito feliz com isso tudo, de verdade, e talvez pela minha honestidade em ter dito isso pra quem merecia ouvir, eu cheguei a ouvir uma frase muito interessante de uma pessoa muito próxima falando da cena nacional hoje: “Você já pensou quanto um jogador de futebol brasileiro ganhava quando o Brasil foi campeão pela primeira vez e quanto um jogador ganha hoje?”. Então hoje as possibilidades estão maravilhosas, mas a música que está no gosto da grande massa aqui no Brasil não me agrada nem um pouco.

Calma, Jeff Mills, vai chegar a sua vez #aloka

Calma, Jeff Mills, vai chegar a sua vez #aloka

Music Non Stop – O que acha de mega festivais como Ultra, TML e EDC estarem no Brasil?

Anderson Noise – Acho incrível esses grandes festivais que estão acontecendo no Brasil. É muito bom pra todo mundo, para o público e pra nós que trabalhamos na cena. E é ótimo eles trazerem suas ideas e experiências, mas seria lindo se eles trouxessem também aquelas tendas e atrações de techno que eles apresentam em seus países de origem.

Documentário Connection 1969 rodado em turnê de Noise no Japão em 2008

Music Non Stop – Hoje em dia virou moda dizer que toca techno – ou seja, techno é o novo deep house. O que acha disso?

Anderson Noise – Boa essa, o deep house há pouco tempo estava na boca de muito DJ que toca música da moda e acredito que continua. Só que depois que alguns Mega DJs começarem a falar que estão tocado deep house, essa galera que toca música da moda parou de dizer que toca o estilo e agora estão falando que o som é techno. Estou achando ótimo, pois é mais gente falando de techno. Mas, por favor, galera toquem techno de verdade, porque tem muito DJ tocando electro e psy e dizendo que é techno, me ajuda aí vai (risos).

Music Non Stop – Quem são seus maiores ídolos na cena eletrônica brasileira?

Anderson Noise – Eu gosto de muitos artistas brasileiros, poderia fazer uma lista gigante, mas esse meu amigo Marco Antônio, o nosso DJ Marky, é algo para se estudar, acho ele o melhor DJ do mundo – só falta tocar techno (risos). E dessa nova geração, curto o produtor Victor Ruiz e a DJ Anna. Eu tiro o chapéu, temos que aplaudir, estão fazendo música muito boa.

Yan Noise, Ziraldo e Anderson Noise

Yan Noise, Ziraldo e Anderson Noise na Rio Music Conference 2016

Music Non Stop – Você tem levado seu filho, Yan, pra vários lugares com você. Sua ideia é deixar ele tomando conta do business pra te deixar livre pra música?

Anderson Noise – É o que eu gostaria que acontecesse com o Yan , que é DJ residente da Disco Baby (risos). Ele está trabalhando comigo e me ajudando muito. Ele vem se interessando pela música e já está indo em alguns eventos comigo e curtido bastante. Ele sabe que gosto dele do meu lado e é o que preciso para estar mais tempo no estúdio produzindo, o que vem acontecendo com mais frequência.

Music Non Stop – O que mais te anima a tocar hoje em dia?

Renato Ratier (do D-Edge) e Noise no Deputamadre, em BH

Renato Ratier (do D-Edge) e Noise no Deputamadre, em BH

Anderson Noise – Tem muitos sound systems que eu conto as horas pra tocar e não quero parar de tocar por nada, deixo como exemplo os clubes: Womb (Tóquio), Gare (Porto) e o nosso D-Edge. Mas não é só sound system! Claro que são as pessoas interessadas pela música que toco e o prazer que sinto por discotecar!!!

Music Non Stop – O que você pode dizer sobre a tecnologia? Ela foi uma importante aliada pra você?
Anderson Noise – Sem dúvida devo muito à tecnologia. Eu sou fã do Traktor Scratch, principalmente pelos seus efeitos e por poder viajar em turnê com a possibilidade de tocar milhares de músicas.

Noise fazendo história no encerramento do Skol Beats 2003

Noise fazendo história no encerramento do Skol Beats 2003, no Sambódromo, foi lindo <3 Foto: Fábio Mergulhão

Music Non Stop – Anderson Noise em números: quantas faixas já lançou, quantos programas de rádio já fez, quantos videoclipes?

Anderson Noise – 248 músicas, 700 programas semanais pela Radio Noise, 13 videoclipes, 2 DVDs, 10 Compilações…

Music Non Stop – Se pudesse escolher algum artista qualquer pra fazer uma faixa com você, quem seria?

Anderson Noise – Josh Wink, Heiko Laux, Robag Wruhme, Johannes Heil…

Music Non Stop – O que você mais gosta de fazer quando está no seu dia de folga?

Anderson Noise – Escutar músicas que não tenho oportunidade de tocar em lugares onde toco sempre, talvez isso que me levou a começar a tocar em festivais com o Savassi Festival.

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Music Non Stop – Você se vê tocando com 70 anos?
Anderson Noise – Lógico! Espero estar vivo com 70 e te ver na pista (risos). Só preciso de saúde, porque vontade não me falta.

BORDEL

Sexta, 20/2, a partir da meia-noite
Crystal Night Club
Rua Rio Grande do Norte, 1470 – Savassi, Belo Horizonte
Line-up: Anderson Noise
Preço: R$ 50 + 5 de taxa de conveniência
À venda aqui

Mais fotos do careca mais animado das cabines de DJ você vê na galeria abaixo

Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.

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