Amor e redenção. A história por trás de Double Fantasy, de John Lennon e Yoko Ono, que acaba de completar 40 anos
Há exatos 40 anos Yoko e John lançavam Double Fantasy. O último álbum de Lennon. O que aprendi com
este disco, e porque acredito que ele ensina muito ainda hoje!
Em oito de dezembro de 1980 o mundo recebia a triste notícia do assassinato de um importante gênio da
música e um ótimo ser humano! John Lennon foi pacifista, formador de opinião, empático e ativista político.
Mas tudo isso sem antes dar muitas cabeçadas e pisadas na bola, machucando muitos e se machucando ainda mais. Porém em várias oportunidades de sua vida mostrou resiliência e evolução para uma pessoa melhor, se desculpando por suas presepadas, corrigindo seus pontos de vista preconceituosos, e também passando a valorizar cada vez mais as coisas realmente importantes como o amor, a compaixão, a empatia e o controle do ego (a meu ver, um ponto ainda mais difícil e desafiador de lidar quando você é macho e se transforma ainda jovem num popstar rico) com tanta bajulação, facilidades e dinheiro que, facilmente em um mundo machista faz a personalidade egocêntrica se desenvolver a passos largos.
Tenho certeza que muito desta evolução aconteceu graças a sua união com seu amor verdadeiro Yoko Ono que tanto o influenciou.
Quantas vezes escutamos que Yoko influenciou John? Muitas né! Óbvio! Mas infelizmente escutamos muito mais por aí a versão contaminada pela cultura do machismo onde as influências eram negativas. Aquela velha história que crescemos escutando de que a mulher esta lá por ser oportunista e interesseira, que depois que consegue o quer fica palpiteira e dominadora, e logo causadora de atritos e a diluidora do grupo de amigos leais, ou tudo isso junto ao mesmo tempo e muito mais blábláblá. E também aquela muito ruim (e espero que cada vez mais antiquada) de que “Por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher” ao invés do assertivo “Ao lado”.
As influências de Yoko a John e vice-versa fluíram naturalmente e também de forma não intencional. Isso só
acontece com pessoas que se amam de verdade e se permitem entregar-se inteiramente a este amor. Passaram a dividir tudo e a se apoiarem sempre. Basta uma pesquisada rápida sobre John e Yoko na internet para encontrar material vasto e muito emocionante sobre a vida deles em vários aspectos. Este disco que vou falar agora nos mostra exatamente isto!
Convido você a escutar com atenção Double Fantasy, álbum finalizado em novembro de 1980 para notar o
quão incrível, importante e atual soa mesmo quatro décadas depois de seu lançamento. E também para reforçar o igual crédito e peso a Yoko Ono na realização desta obra. Notarás que vou falar um pouco mais das músicas dela, porque as do John já foram muito resenhadas e são realmente maravilhosas. Isso porque na época, mesmo o disco se mostrando totalmente equilibrado entre o casal, infelizmente boa parte do sucesso nas vendas foi devido ao falecimento no mês seguinte do “ex-Beatle” como era mais frequentemente citado e não necessariamente porque a maioria das pessoas notou que se tratava de uma obra artística rica e genuína, um registro e prova de amor verdadeiro e principalmente um exemplo de igualdade entre os gêneros .
Genialidade, dedicação e influências estavam presentes em ambos. A simbiose entre Yoko e John era plena! Mas muitas vezes, como já acontecia desde o final dos Beatles, sobravam elogios a ele e críticas a ela.
Após um merecido e energizante período de alguns anos para total dedicação ao filhote recém-nascido
“Beautiful Boy” Sean, às tarefas domésticas e ao núcleo familiar em si o casal volta a estúdio despejando uma
mistura encantadora da energia deste período com a energia de todas as suas vivências e influências absorvidas
anteriormente da cena musical, pistas de dança e arte contemporânea de Nova York do final da década de 70. Para ajudar na concepção desta parte eles convidaram o amigo Jack Douglas, um produtor experiente que além de já ter trabalhado em obras anteriores do casal, havia produzido para a gigante Patti Smith, New York Dolls, Aerosmith entre outros, o que ajuda nitidamente John e Yoko extrair e passear lindamente nas pegadas mais New Wave e pirações das músicas Give Me Something e a Kiss Kiss Kiss com a doida e criativa sobreposição de vozes da Yoko e cadenciada por um grudento arranjo de guitarra e tecladinho que pra mim lembra até um pouco B’52s , fundidas com o modernismo da artista.
A super dançante Every Man Has a Woman Who Loves Him, que foi a música que eu, como
DJ, fez prestar atenção no disco todo. A música pega a pista de surpresa e faz dançar muito! Ela tem groove suave, harmonia gostosa de voz, e é levemente dub no baixo, um pouco de bom humor nas passagens e uma letra que eu acho linda demais! Direta e profunda ao mesmo tempo! Principalmente na parte: … “If he finds in this lifetime” / Se ele a encontrar nesta vida “He will know when he presses his ear to her breast” / Ele saberá quando encostar a orelha no peito dela”…” If she finds him in this life time” / Se ela o encontrar nesta vida “She will know when she looks into his eyes” / Ela saberá quando olhar em seus olhos”… nos dando uma forte esperança de encontrar quem nos ame de verdade e nos fazendo pensar na espiritualidade, porque se não encontrar nesta passagem por esta vida, basta não perder a esperança e acreditar na imortalidade da nossa alma. Ela também nos lembra, gostosamente, Talking Heads e Tom Tom Club.
Temos a excelente Cleanup Time de John, que surgiu após uma conversa telefônica com Jack Douglas onde eles conversaram sobre os anos 70 e a hora de começar a limpeza dos hábitos com álcool e drogas. Nas canções mais sentimentais e profundas o diálogo entre as duas músicas I’m losing you e I’m moving on onde a intenção foi ligá-las ritmicamente. Ensina que nem tudo são somente alegrias narrando um momento difícil entre os dois quando Yoko deu aquele tempo (e também um belo gelo) em John cobrando-o a maturidade necessária para que relacionamento continuasse.
John sentiu forte. Mostrou isso em canções como Woman e outras provas e declarações de amor sublimes entre eles e para o filho Sean que tocam facilmente nossos corações. Como pai de um casal de crias que
amo muito, choro fácil ao escutar Beautiful Boy de Lennon e Beautiful Boys de Yoko, onde ela inclui os “dois garotos”.
Por fim ressalto a influência da música tradicional japonesa estilo Enka na forma de Yoko de
cantar, com aquelas variações de entonação da voz que eu acho lindas e até estranhas, este estilo acredito que
talvez tenha causado certa repulsa a quem não buscou a fundo este entendimento ou para aquele que é fã radical dos Beatles e só quer enxergar e prestar atenção na arte de Lennon.
Espero ter te instigado a mergulhar a fundo neste álbum maravilhoso e na vida deste casal que foi puro amor. E se tiver a oportunidade de escutar na íntegra Double Fantasy original em vinil da Geffen Records, com encarte na mão, acompanhando as letras e a ordem das músicas, digo que a experiência se tornará ainda mais forte e enriquecedora!
Para saber mais:
US vs Lennon – documentário de 2006
The Real Yoko
A última entrevista de Lennon
As Mulheres Dos Beatles