Amen Brother The Winstons. Foto: Reprodução

7 segundos que mudaram a música: a triste história do riff mais sampleado do mundo

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Sample de Amen, Brother, do The Winstons, é encontrado em sucessos que vão de David Bowie a Lady Gaga

Em 1996, enquanto trabalhava no metrô de Washington, Richard Lewis Spencer mal se lembrava de sua malfadada vida no mundo da música. O saxofonista havia tocado na banda de Curtis Mayfield e acreditando em seu talento, montou o próprio grupo, The Winstons, em 1969, com o qual ganhou um Grammy pelo single Color Him Father, uma canção de amor ao padrasto, que se casou com a mãe viúva após o pai biológico ter sido morto em uma guerra.

Em tempos de invasão estadunidense ao Vietnã, a música se tornou um hit avassalador. E embora tenha alcançado o sétimo lugar na parada Billboard daquele ano e lançado um compacto que vendeu mais de um milhão de cópias, o que Spencer experimentou com seus colegas foi o pior dos Estados Unidos. O motivo? A The Winstons era uma banda perfeitamente miscigenada, com três músicos brancos e três negros, em um país onde o racismo obrigava os negros a manter uma posição radical contrária. De tanta crítica vinda dos dois lados, o sonho acabaria somente um ano depois, em 1970, sem jamais ter gravado um álbum sequer. O trabalho diário no metrô não foi o pior dos destinos dos amigos. Seu baterista, Gregory Coleman, atualmente era um sem teto, morando nas ruas da cidade.

O passado de Richard foi resgatado abruptamente quando um executivo de gravadora o procurou querendo remasterizar a música Amen, Brother, o lado B do único compacto lançado pelo The Winstons. Não há como confirmar, mas provavelmente tratava-se do britânico Quinton Scott, que mais tarde fundaria a gravadora Strut Records, especializada em lançar raridades do funk.

O músico achou tudo muito estranho. Por que é que o cara estava interessado na obscura canção lado B do compacto, e não em relançar seu superhit, Color Him Brother? A resposta fez seu chão desabar. Richard Lewis Spencer ficou sabendo, pela boca do executivo, que uma parte de Amen, Brother — mais precisamente, um riff de bateria de sete segundos — já havia sido sampleada e reutilizada em mais de mil músicas, muitas delas com um baita sucesso.

Uma utilização que jamais parou. Hoje em dia, estima-se que a levada de bateria tocada por Coleman já tenha sido regravada em mais de seis mil músicas diferentes (6.853, segundo o WhoSampled), de The Prodigy a David Bowie, passando pelo tema da série animada Futurama. Nem Spencer, dono do direito autoral da música, e nem Coleman, seu amigo baterista que agora vivia como um mendigo, haviam sido contatados para pedir autorização de uso e nem recebido um só centavo de dólar em royalties.

É claro que o frontman dos Winstons, batendo cartão em uma empresa de trens para pagar as contas aos 54 anos de idade, ficou puto da vida. Correu atrás de uma advogado para saber o que poderia ser feito. E a resposta foi: nada. Nos Estados Unidos, você só pode entrar com uma ação civil alegando plágio ou infração de direitos autorais três anos após o lançamento da música. Passado o prazo, o “crime” prescreve. Em entrevistas, Spencer dizia ter se sentido “explorado e estuprado”. Todo mundo havia usado o sensacional riff de bateria de sua banda, desde toda a galera do hip-hop, passando por boa parte do povo da música eletrônica e chegando ao mundo do pop mainstream. E o cara lá, dando duro no metrô enquanto o amigo vivia de esmolas!

Com o tempo, Richard Spencer, que morreria em 2020 (Coleman faleceu em 2006), acabou se resignando e se passou a se dizer “lisongeado” com o uso massivo de sua música. Sensibilizados com a inóspita situação daquele gênio do funk com vida artística tão curta, os DJs ingleses Martyn Webster e Steve Theobald criaram uma vaquinha virtual em 2015 para, de certa forma, permitir que as pessoas pagassem um tributo simbólico tardio a Spencer. O resultado foi uma junção de 26 mil dólares, entregues ao fundador do The Winstons e dono da música mais sampleada de todos os tempos, Amen, Brother.

6 músicas que usam o sample de Amen, Brother

N.W.A – Straight Outta Compton (1988)

 

David Bowie – Little Wonder (1997)

The Prodigy – Mindfields (1997)

Christopher Tyng – Futurama Theme (1999)

Calvin Harris, Dua Lipa – One Kiss (Oliver Heldens Remix) (2018)

Lady Gaga, Elton John – Sine From Above (2020)

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.