Dono de um catálogo impressionante de faixas que são centrais na compreensão da revolução que um certo som alemão provocou nas regiões onde o jazz encontra a pista de dança, Rainer Trüby é o tipo de bon vivant que preza os prazeres da vida acima de tudo e sem pudor. Habitante das bucólicas paisagens da Floresta Negra e oriundo de Stuttgart, é bem difícil ser mais tipicamente teutônico que ele e isso se reflete diretamente em todas as suas paixões, seja pelo apetite catalográfico por ritmos de todo o mundo ou pelo interesse por comida de todos os cantos e um bom vinho.
A renovação trazida à baila pela turma congregada ao redor dos selos Compost e Sonarkollektiv e, principalmente, do multifacetado projeto Jazzanova, além do seu Trüby Trio, não foi nada tímida e os efeitos podem ser ouvidos até hoje. Em um momento no qual os sons germânicos eram associados aos ritmos mecânicos do techno e do trance, eles chegaram propondo algo muito diverso: uma sonoridade que se sustentava firmemente nos instrumentos acústicos em elementos afro-latinos. O resultado foi uma mistura tão prenhe de possibilidades que até hoje se faz sentir pelos mais diversos gêneros, e Rainer trafegou por praticamente todos com maestria.
Desde suas primeiras faixas como A Forest Mighty Black, nas quais apresentava soluções rítmicas ousadas dentro do já arrojado universo do D&B, sempre bem marcadas por uma abordagem bem filiada ao jazz funk, até suas aventuras na house e broken beat como Trüby Trio, que definitivamente ajudaram a redefinir a forma como a contribuição latina é incorporada na música eletrônica. Suas produções são belos exemplos de como alinhavar elementos étnicos e samples orgânicos no interior de potentes levadas.
Um favorito de Marky, Patife (que remixou um de seus clássicos), Tahira e seu anfitrião na Soul.Set, Thiago Guiselini, entre tantos outros seletores que, como ele, primam pelo ecletismo e uma boa vibração na pista, ele retorna após longos quinze anos para fazer deste domingo ainda mais radiante. Baita oportunidade pra gente entrevistar o DJ, pois.
Music Non Stop – Conheci a Compost através de todos os crossovers, um cadinho de ritmos e influências que caia bem no meio do ecletismo tão característico dos 90. Aquele elemento aventureiro é algo de que sente falta ou ele nunca deixou sua abordagem, apenas retornando de modos distintos e até mais sutis?
Rainer Trüby – O que fizemos com a Compost nos 90 era tão destemido quanto o que acontece hoje em dia. Há novamente espaço para um monte de estilos versáteis. Mesmo as gerações mais novas parecem estar bem a mais fim de música orgânica do que um set previsível apenas de Tech-House. O selo estava ligado ao Acid Jazz, ao Trip Hop, ao Funk, ao D&B e também ao House e ao NuJazz, que essencialmente era uma reincarnação do Acid Jazz com uma abordagem mais eletrônica. Não havia muitas barreiras entre o espectro mais aberto da música soulful. Com a criação do Compost Black Label as coisas tomaram uma direção relativamente mais orientada para as pistas, mas também havia o Compost Disco para as coisas mais voltadas a esse gênero e ao Boogie. E a Compost como uma plataforma continua sendo tão cabeça aberta como sempre foi.
Trüby Trio – A Festa
Music Non Stop – Essa foi a primeira encarnação de uma família bem profícua (JCR, Sonarkollektiv, mesmoa Innervisions até certo ponto) que espalhou suas sementes através da cena germânica de um modo muito duradouro e profundo. Qual foi a importância do local de origem para sua trajetória?
Rainer Trüby – Bom, o selo surgiu e ainda está sediado em Munique que, sem dúvida, foi uma base sólida para tudo que se seguiu, como o Jazzanova e até mesmo Dixon e a Innervisions. Estamos ligados de uma maneira ou de outra desde os meados dos noventa. Antigamente nos comunicávamos ligando bastante um para o outro e tocando nossas demos através do telefone! Às vezes enviávamos faxes um para o outro… Munique ainda é uma grande cidade com uma boa vida noturna, sempre sob a sombra do “hype” de Berlim obviamente, e uma base adequada para Michael Reinboth (cabeça do selo) e a família da Compost Records. Agora entramos em contato alegremente via email…
Music Non Stop – E quanto a você, sendo um nativo de Freiburg, quais eram os lugares aos quais ia para apreciar música em seus anos formativos e como eles alimentaram sua paixão?
Rainer Trüby – Eu sou originário de uma cidade chamada Stuttgart na verdade, da qual os ancestrais de um certo Marcos Valle também são. Comecei a tocar lá ao lado dos irmãos Ali e Basti Schwarz, também conhecidos como Tiefschwarz, que me envolveram com essa forma de arte. Daí me mudei para Freiburg e fui estudar sociologia ali. Nunca terminei meus estudos porque a música se tornou cada vez mais presente em minha vida. Gostei dali e fiquei. Ainda sou muito feliz com a decisão. Após tanta milhagem é gostoso retornar a uma cidade razoavelmente pequena, onde consigo cuidar da minha noite em um club local, chamada Root Down, por 21 anos. O selo de Jazz Saba/MPS também saiu das vizinhanças da floresta negra. Ele foi inegavelmente seminal e deu origem a uma compilação com Gilles Peterson chamada Talkin’ Jazz.
Music Non Stop – E quanto à forte presença latina que é um elemento distintivo da sua música, de onde ele vem? Onde reside a origem desta preferência?
Rainer Trüby – Boa pergunta. O que aconteceu no início dos noventa foi gente como Gilles Peterson, Patrick Forge e Joe Davis (que comanda a FarOut Recordings) introduziram a bossa e o samba quase que simultaneamente em seus programas de rádio. Desde a primeira vez que ouvi as composições de Edu Lobo, Marcos Valle, Jorge Ben, Elis Regina, Milton Nascimento, Jobim ou mesmo Sergio Mendes, eu me apaixonei. Creio que é aquele elemento sentimental, ainda que positivo, as harmonias e os ritmos que me pegaram na música brasileira. Eu adoro a musicalidade cubana e porto-riquenha também, mas é uma abordagem diferente em termos rítimicos e harmônicos. Jazz latino e salsa, quero dizer. Mas são realmente incomparáveis.
Music Non Stop – Agora indo em direção à nossa música. Quais são os traços que mais lhe atraíram desde o começo? Se puder tomar uma faixa como Alegre como exemplo, eu diria que é a percussão, mas posso estar errado…
Rainer Trüby – Eu sou louco por harmonias em primeiro lugar. Teclados, pianos e, no melhor dos casos, o Fender Rhodes (piano elétrico), que ainda é meu instrumento favorito. Adoro sintetizadores analógicos também, ARPs e Moogs. Sou bem retrô nesse sentido. Geralmente aprecio uma sonoridade bem viva e soulful.
Linhas de baixo são importantes da mesma maneira. A minha banda favorita nos 80 era o Level 42, que tinha um cara legendário no baixo chamado Mark King. De fato uma boa levada percussiva sublinha tudo isto perfeitamente. Pode ser afro-cubana, pode ser brasileira…
Trüby Trio – Alegre
Music Non Stop – É uma impressão injusta ou você de fato tirou uma folga dos deveres de produtor e remixer por um tempo?
Rainer Trüby – Sim, depois que demos um tempo com o Trüby Trio, eu me aquietei com os lançamentos. Ainda somos muito amigos de qualquer maneira. Após isso eu trabalhei bastante com o Danilo Plessow (Motor City Drum Ensemble) em algumas faixas, que é um produtor magnífico. Algumas coisas novas estão por vir, que fiz com o Marlow ultimamente.
Music Non Stop – E acerca de sua parceria com Corrado Bucci, como ela surgiu?
Rainer Trüby – Corrado é um talento fenomenal. Eu mandei um feedback bem positivo para a faixa Open Your Eyes que ele lançou pelo selo Rebirth há algum tempo. Ele se empolgou e veio visitar nossa noite Root Down desde sua cidade natal na Itália, Brescia, que fica a cinco horas de carro dali. Nos demos muito bem e decidimos unir forças, isto resultou em alguns remixes e lançamentos como Truccy, que acabaram tendo certo sucesso e agora há ainda mais alguns adiante…
Music Non Stop – Por último, mas nem por isso menos importante: quais são suas expectativas para esta gig na Soul.Set, após quase uma década e meia da sua última visita ao Brasil?
Rainer Trüby – Faz quinze anos desde que vim aqui pela primeira vez. Naquela oportunidade toquei em quatro ocasiões com Kruder & Dorfmeister em 2002, que foram alegria pura. Estou extremamente ansioso por retornar ao país e entrar em contato com os brasileiros novamente. Acho que com o pessoal da Soul.Set estou em muito boas mãos aí em São Paulo, seja musical, gastronomicamente ou mesmo em qualquer outro aspecto.
A Soul.Set 6 anos
Domingo, 4 de Junho
Avenida Marquês de São Vicente, 2477, São Paulo
Preço: R$ 45