Alquimista da pista de dança, Rainer Trüby toca neste domingo no aniver de 6 anos da Soul Set

Chico Cornejo
Por Chico Cornejo

Dono de um catálogo impressionante de faixas que são centrais na compreensão da revolução que um certo som alemão provocou nas regiões onde o jazz encontra a pista de dança, Rainer Trüby é o tipo de bon vivant que preza os prazeres da vida acima de tudo e sem pudor. Habitante das bucólicas paisagens da Floresta Negra e oriundo de Stuttgart, é bem difícil ser mais tipicamente teutônico que ele e isso se reflete diretamente em todas as suas paixões, seja pelo apetite catalográfico por ritmos de todo o mundo ou pelo interesse por comida de todos os cantos e um bom vinho.

A renovação trazida à baila pela turma congregada ao redor dos selos Compost e Sonarkollektiv e, principalmente, do multifacetado projeto Jazzanova, além do seu Trüby Trio, não foi nada tímida e os efeitos podem ser ouvidos até hoje. Em um momento no qual os sons germânicos eram associados aos ritmos mecânicos do techno e do trance, eles chegaram propondo algo muito diverso: uma sonoridade que se sustentava firmemente nos instrumentos acústicos em elementos afro-latinos. O resultado foi uma mistura tão prenhe de possibilidades que até hoje se faz sentir pelos mais diversos gêneros, e Rainer trafegou por praticamente todos com maestria.

Desde suas primeiras faixas como A Forest Mighty Black, nas quais apresentava soluções rítmicas ousadas dentro do já arrojado universo do D&B, sempre bem marcadas por uma abordagem bem filiada ao jazz funk, até suas aventuras na house e broken beat como Trüby Trio, que definitivamente ajudaram a redefinir a forma como a contribuição latina é incorporada na música eletrônica. Suas produções são belos exemplos de como alinhavar elementos étnicos e samples orgânicos no interior de potentes levadas.
Um favorito de Marky, Patife (que remixou um de seus clássicos), Tahira e seu anfitrião na Soul.Set, Thiago Guiselini, entre tantos outros seletores que, como ele, primam pelo ecletismo e uma boa vibração na pista, ele retorna após longos quinze anos para fazer deste domingo ainda mais radiante. Baita oportunidade pra gente entrevistar o DJ, pois.

Music Non Stop – Conheci a Compost através de todos os crossovers, um cadinho de ritmos e influências que caia bem no meio do ecletismo tão característico dos 90. Aquele elemento aventureiro é algo de que sente falta ou ele nunca deixou sua abordagem, apenas retornando de modos distintos e até mais sutis?

Rainer Trüby – O que fizemos com a Compost nos 90 era tão destemido quanto o que acontece hoje em dia. Há novamente espaço para um monte de estilos versáteis. Mesmo as gerações mais novas parecem estar bem a mais fim de música orgânica do que um set previsível apenas de Tech-House. O selo estava ligado ao Acid Jazz, ao Trip Hop, ao Funk, ao D&B e também ao House e ao NuJazz, que essencialmente era uma reincarnação do Acid Jazz com uma abordagem mais eletrônica. Não havia muitas barreiras entre o espectro mais aberto da música soulful. Com a criação do Compost Black Label as coisas tomaram uma direção relativamente mais orientada para as pistas, mas também havia o Compost Disco para as coisas mais voltadas a esse gênero e ao Boogie. E a Compost como uma plataforma continua sendo tão cabeça aberta como sempre foi.

Trüby Trio – A Festa

Music Non Stop – Essa foi a primeira encarnação de uma família bem profícua (JCR, Sonarkollektiv, mesmoa Innervisions até certo ponto) que espalhou suas sementes através da cena germânica de um modo muito duradouro e profundo. Qual foi a importância do local de origem para sua trajetória?

Rainer Trüby – Bom, o selo surgiu e ainda está sediado em Munique que, sem dúvida, foi uma base sólida para tudo que se seguiu, como o Jazzanova e até mesmo Dixon e a Innervisions. Estamos ligados de uma maneira ou de outra desde os meados dos noventa. Antigamente nos comunicávamos ligando bastante um para o outro e tocando nossas demos através do telefone! Às vezes enviávamos faxes um para o outro… Munique ainda é uma grande cidade com uma boa vida noturna, sempre sob a sombra do “hype” de Berlim obviamente, e uma base adequada para Michael Reinboth (cabeça do selo) e a família da Compost Records. Agora entramos em contato alegremente via email…

Music Non Stop –  E quanto a você, sendo um nativo de Freiburg, quais eram os lugares aos quais ia para apreciar música em seus anos formativos e como eles alimentaram sua paixão?

Rainer Trüby – Eu sou originário de uma cidade chamada Stuttgart na verdade, da qual os ancestrais de um certo Marcos Valle também são. Comecei a tocar lá ao lado dos irmãos Ali e Basti Schwarz, também conhecidos como Tiefschwarz, que me envolveram com essa forma de arte. Daí me mudei para Freiburg e fui estudar sociologia ali. Nunca terminei meus estudos porque a música se tornou cada vez mais presente em minha vida. Gostei dali e fiquei. Ainda sou muito feliz com a decisão. Após tanta milhagem é gostoso retornar a uma cidade razoavelmente pequena, onde consigo cuidar da minha noite em um club local, chamada Root Down, por 21 anos. O selo de Jazz Saba/MPS também saiu das vizinhanças da floresta negra. Ele foi inegavelmente seminal e deu origem a uma compilação com Gilles Peterson chamada Talkin’ Jazz.

Music Non Stop – E quanto à forte presença latina que é um elemento distintivo da sua música, de onde ele vem? Onde reside a origem desta preferência?

Rainer Trüby – Boa pergunta. O que aconteceu no início dos noventa foi gente como Gilles Peterson, Patrick Forge e Joe Davis (que comanda a FarOut Recordings) introduziram a bossa e o samba quase que simultaneamente em seus programas de rádio. Desde a primeira vez que ouvi as composições de Edu Lobo, Marcos Valle, Jorge Ben, Elis Regina, Milton Nascimento, Jobim ou mesmo Sergio Mendes, eu me apaixonei. Creio que é aquele elemento sentimental, ainda que positivo, as harmonias e os ritmos que me pegaram na música brasileira. Eu adoro a musicalidade cubana e porto-riquenha também, mas é uma abordagem diferente em termos rítimicos e harmônicos. Jazz latino e salsa, quero dizer. Mas são realmente incomparáveis.

Music Non Stop – Agora indo em direção à nossa música. Quais são os traços que mais lhe atraíram desde o começo? Se puder tomar uma faixa como Alegre como exemplo, eu diria que é a percussão, mas posso estar errado…

Rainer Trüby –  Eu sou louco por harmonias em primeiro lugar. Teclados, pianos e, no melhor dos casos, o Fender Rhodes (piano elétrico), que ainda é meu instrumento favorito. Adoro sintetizadores analógicos também, ARPs e Moogs. Sou bem retrô nesse sentido. Geralmente aprecio uma sonoridade bem viva e soulful.
Linhas de baixo são importantes da mesma maneira. A minha banda favorita nos 80 era o Level 42, que tinha um cara legendário no baixo chamado Mark King. De fato uma boa levada percussiva sublinha tudo isto perfeitamente. Pode ser afro-cubana, pode ser brasileira…

Trüby Trio – Alegre

Music Non Stop – É uma impressão injusta ou você de fato tirou uma folga dos deveres de produtor e remixer por um tempo?

Rainer Trüby – Sim, depois que demos um tempo com o Trüby Trio, eu me aquietei com os lançamentos. Ainda somos muito amigos de qualquer maneira. Após isso eu trabalhei bastante com o Danilo Plessow (Motor City Drum Ensemble) em algumas faixas, que é um produtor magnífico. Algumas coisas novas estão por vir, que fiz com o Marlow ultimamente.

Music Non Stop – E acerca de sua parceria com Corrado Bucci, como ela surgiu?

Rainer Trüby – Corrado é um talento fenomenal. Eu mandei um feedback bem positivo para a faixa Open Your Eyes que ele lançou pelo selo Rebirth há algum tempo. Ele se empolgou e veio visitar nossa noite Root Down desde sua cidade natal na Itália, Brescia, que fica a cinco horas de carro dali. Nos demos muito bem e decidimos unir forças, isto resultou em alguns remixes e lançamentos como Truccy, que acabaram tendo certo sucesso e agora há ainda mais alguns adiante…

Music Non Stop – Por último, mas nem por isso menos importante: quais são suas expectativas para esta gig na Soul.Set, após quase uma década e meia da sua última visita ao Brasil?

Rainer Trüby – Faz quinze anos desde que vim aqui pela primeira vez. Naquela oportunidade toquei em quatro ocasiões com Kruder & Dorfmeister em 2002, que foram alegria pura. Estou extremamente ansioso por retornar ao país e entrar em contato com os brasileiros novamente. Acho que com o pessoal da Soul.Set estou em muito boas mãos aí em São Paulo, seja musical, gastronomicamente ou mesmo em qualquer outro aspecto.

A Soul.Set 6 anos
Domingo, 4 de Junho
Avenida Marquês de São Vicente, 2477, São Paulo
Preço: R$ 45