Alanis Morissette Foto: Reprodução/Facebook

Como Alanis Morissette foi de ‘Madonna canadense’ a embaixadora do feminismo no pop rock

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Jagged Little Pill foi uma verdadeira revolução na carreira da artista

Jagged Little Pill, álbum transformador da canadense Alanis Morissette lançado em 13 de junho de 1995, é uma prova de como uma mudança de ares pode virar a cabeça de um artista de cabeça para baixo. Afinal, ele só existe do jeito que é graças à decisão da cantora de trocar de amigos e de cidade, mesmo já tendo construído uma carreira de relativo sucesso e lançado dois discos que, de certa forma, não existem mais.

Alanis, então uma cantora de pop dance music, vivia em Ottawa, no Canadá. Já havia lançado os LPs Alanis (1991) e Now Is The Time (1992), com canções (e visual) que a faziam soar como uma espécie de Madonna canadense. Apesar de ambos os lançamentos terem rendido discos de platina, a gravadora MCA Records e a artista decidiram não renovar seu contrato.

Era o momento de querer algo, mas ainda sem saber o quê. As pessoas que conheceu na época, assim como ela própria, sentiam que faltava alguma coisa em sua música. Um novo empresário foi lhe foi apresentado, Scott Welch, que se apaixonou pela “voz espetacular, presença e boas letras” da nova amiga. Como encontrar, então, a chave perdida na bagunça do quarto que abriria a porta para um lugar em que tudo isso seria devidamente explorado?

A solução sugerida por Welch foi tirar a cantora de sua cidade natal. A menina de 19 anos precisava ver o mundo. Partiu para passar um tempo em Toronto, culturalmente muito mais desenvolvida e diversificada. A cidade serviu como uma mera ponte para Los Angeles, babel musical que moldou definitivamente a nova Alanis, a partir de 1993. Lá, conheceu e desenvolveu uma sólida amizade com Glen Ballard, produtor musical que já tinha no currículo trabalhos com Michael Jackson nos álbuns Thriller, Bad e Dangerous. Nada mal.

“Too Hot” foi um dos primeiros hits de Alanis

Ballard mostrou a ela a noite de Los Angeles. A garota fez novos amigos músicos, como a turma do Red Hot Chili Peppers. Na “imersão criativa”, foi juntando ideias para seu novo trabalho. Seu produtor, por sua vez, já tinha sacado o puta potencial da menina, que tinha um jeito diferente. Sabia cantar suave e, nos refrões, cuspia um agudo inconstante que acabava em um pigarro rasgado. Sua música e imagem também estavam desatualizadas. O rock estava em alta. Nirvana já havia proposto sua revolução.

Enquanto a artista compunha, Glen Ballard decidiu por uma produção que deixava a voz dela na frente, quase deslocada dos instrumentos. Caprichou na guitarra e nos loops de bateria, convidando os instrumentistas Dave Navarro e Flea para fazer uma ponta nas gravações.

Quando todos ouviram o resultado final de Jagged Little Pill, a distância com a época de Ottawa era tão grande que Alanis chegou ao extremo de optar pela mudança em seu nome artístico. A partir de agora, seria Alanis Morissette, e enterraria seu passado artístico canadense. Até hoje, os dois primeiros álbuns da cantora não existem nas plataformas de streaming e podem ser ouvidos, apenas, em canais não oficiais no YouTube.

Jagged Little Pill foi um sucesso mundial instantâneo. Impulsionado pela MTV, enfileirou videoclipes que viraram hits nas paradas da Billboard como You Oughta Know, Hand In My Pocket, You Learn e Head Over Feet. Músicas que, além de encaixarem perfeitamente no mundo do rock alternativo americano, serviam para serem tocadas só no violão, em volta de uma fogueira. Além disso, mostrava ao mundo algo em seu modo de vida que ia muito além da música.

Havia nela algo da essência das riot grrrls. Uma garota em carreira solo, fazendo rock, falando das profundas inseguranças da juventude, sem apelar para a sensualidade ou o empoderamento sexual. Uma artista nua e crua.

Apesar de muito jovem, Morissette era inteligente e mostrava, em entrevistas, que sabia o que queria. Tornou-se uma inspiração para toda uma geração de garotas que amadureciam na década de 90. Mas suas influência, ia muito, mas muito além do “eu também posso montar uma banda”. Era um lance de existência.

A figura da artista relembrava a todos que uma adolescente vai a shows, troca ideia, toma umas, dá um toque sobre um incrível novo disco que acabara de sair, escreve poesia, paga suas contas. Ajudou a enterrar o conceito da mulher na música como groupie, da coadjuvante. Afinal, parafraseando as meninas do Bulimia, icônica banda representante do movimento riot grrrl brasileiro: “punk rock não é só pro seu namorado”. Alanis Morissette levou ao mundo pop essa imagem, apoiada pelas 33 milhões de pessoas que compraram seu disco.

Ainda surfando na potência da MTV na época, foi convidada para gravar seu acústico (MTV Unplugged, 1998), com canções de Jagged Little Pill e seu álbum seguinte, Supposed Former Infatuation Junkie. Escreveu seu nome na história do rock, ganhou todos os prêmios da indústria, com destaque para o de “compositora do ano”, dos Juno Awards, e segue nos palcos e estúdios até hoje.

Seu último álbum de inéditas, o décimo de sua carreira, saiu em 2022, chamado The Storm Before The Calm. Ou talvez o oitavo de sua discografia, se quisermos concordar com o desejo de Alanis Morissette e intitularmos Jagged Little Pill como a sua estreia!

Patti Smith
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Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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