“Quem salva uma vida, salva o mundo inteiro.” Obra dirigida Steven Spielberg acaba de completar 30 anos
No último dia 15, A Lista de Schindler fez 30 anos. Confesso que tenho dificuldade em resenhar minhas obras preferidas, e esse filme está ao lado de O Show de Truman no top 1 da minha vida — como na de mulita gente! Sete Óscars, três Globos de Ouro, sete BAFTAS, um sem número de prêmios mundo afora; figura em milhares de listas de melhores filmes e, se o IMDB estiver certo, é o sexto melhor realizado até hoje, com nota 9/10.
Se você nunca assistiu, está na hora; se já, talvez mais maduro, anime em rever.
A película é uma adaptação do romance australiano Schindler’s Ark, de 1982, e o Steven Spielberg ficou louco com a história, mas disse que só estaria pronto pra rodá-la em dez anos. Ele chegou a não se sentir à altura do projeto, tentou passá-lo adiante depois da aceitar, ofereceu ao Polansky, que, por ter tido a mãe morta em Auschwitz, recusou; entregou pro Scorsese, e depois pediu a direção de volta ao amigo. Enquanto rodava, disse ter certeza que o filme era necessário, mesmo “sabedor” de que seria um fracasso de bilheteria.
Mal sabia ele que, em meio a inúmeras crises emocionais e ataques antissemitas de diversos tipos, estava rodando um dos mais bem-sucedidos trabalhos de sua vida.
Narrativa e dualidades
Esta é a história real de um milionário nazista dono de uma fábrica que salvou a vida de mais de 1.200 judeus. É a narrativa mais bem contada, poética e emocionante sobre o holocausto. É sobre como um diretor de cinema gênio e otimista te pega pela mão, passa com você por todos os horrores e te trás de volta à vida real, embrulhando seus órgãos em moral e humanidade.
Em termos cinematográficos, eu precisaria de algumas muitas linhas para fazer uma análise, mas como tudo aqui é um primor, bota reparo nas dualidades! Em todos os aspectos de A Lista de Schindler, Spielberg estabelece uma dualidade, para depois quebrá-la.
No roteiro, a dualidade está no protagonista. Ele é bom e mau. Se aproveita da guerra pra ganhar dinheiro, trai a mulher e vive na farra. Por outro lado, se nega a enxergar os judeus como bichos. Um nazista herói de judeus!
Na fotografia, a dualidade está no PB. Nada mais extremo do que ter luz e sombra, preto e branco, bem e mal. E quando você se acostuma com essa estética, eis que surge a menina vestida de vermelho. Nem branco, nem preto!
Na montagem, a dualidade está como easter egg. Há cenas em que o protagonista e o antagonista fazem a mesma ação, um pra direita e outro pra esquerda, como se se complementassem. Também há cenas em que o mesmo gesto é repetido por diferentes personagens, com intenções opostas — principalmente, nos planos de detalhes com movimento de mãos.
Na direção, a dualidade está entre as cenas mais lindas do cinema, com planos milimetricamente bem elaborados, bem como nas cenas que imitam a câmera documental — 40% do filme foi feito com câmera na mão. Arte ou realidade? Mais uma vez, quando você se habitua ao conceito, o diretor implode tudo o que construiu e filma uma homenagem real ao Oscar Schindler, colocando lado a lado os judeus que foram salvos por ele e os atores que os interpretaram. Arte e realidade, num manifesto simbólico de que a mudança de perspectiva frente à realidade é o que há de mais humano em nós.
E é obvio que eu não poderia deixar de levantar a beleza dessa trilha sonora. Faça o exercício de ouvi-la no escuro!
Fica até difícil imaginar que uma obra dessa magnitude tenha sido de baixo orçamento. Foram investidos 22 milhões de dólares, e arrecadados 322 milhões de dólares em bilheteria. Por decisão própria, Spielberg nunca recebeu nenhum tostão pelo filme.
“Poder é quando temos todas as justificativas para matar e não matamos.”
Agora, deixo vocês com as palavras do professor Dennys Xavier, que me ajudou a compor uma análise mais filosófica de A Lista de Schindler.
Filosoficamente falando…
A Lista de Schindler é um filme sobre o que o homem é capaz de fazer. Nós estamos acostumados a uma ideia autoungida de que tudo o que é bom, tudo o que é positivo, é humano, é humanizado. Quando, na verdade, talvez nós não estejamos preparados, mas precisamos fazer isso para ver que nós somos capazes de coisas terríveis, em nome de ideologia, em nome de visão tortuosa dos fatos e da realidade.
É preciso não esquecer nunca do que nós somos capazes de fazer. É preciso não esquecer jamais do modo como nós somos capazes de esvaziar as pessoas, para ver nelas escadas, coisas. Na filosofia, nós chamamos isso de reificação, de coisificação, para realizar uma certa visão de mundo.
Sempre que nós tentamos esse caminho, nós provocamos sofrimento, tortura, dor, um apagamento completo dos mais altos traços civilizatórios da nossa existência. É triste que a gente tenha que lembrar sempre, mas é importante não esquecer, porque coisas assim acontecem em uma velocidade impressionante.
Nós nos perdemos muito rapidamente pelo caminho quando estamos certos de que estamos defendendo algo por um bem absoluto, sem flertarmos minimamente com a dúvida. No momento mesmo em que a dúvida desaparece, sobrevém uma condição humana, da qual nós não podemos ter nenhum orgulho.
E isso está muito bem representado nessa obra prima. Assistam, revejam, relembrem, falem a respeito, e que a gente esteja sempre se opondo a todo momento, dentro das nossas possibilidades e dos nossos limites, a qualquer forma de coletivismo, de totalitarismo, de modelos filosóficos, ideológicos de existência, que esvaziam, que olham o homem como uma casca a serviço de uma determinada causa.