Apple Protótipo desenhado por Harmut Esslinger – foto: acervo Apple

A história e as pessoas por trás do design dos icônicos gadgets da Apple, que completou 45 anos.

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Empresa californiana considerada uma das “big five” do mundo da informação revolucionou o mundo do design e mudou a forma como vemos os equipamentos eletrônicos

Em 1976 três jovens nerds fundaram na Califórnia a empresa Apple, com nome inspirado nos Beatles e grandes planos para o futuro. Os amigos Steve Wozniac, Ronald Wayne e o mais famoso de todos, Steve Jobs, logo chamaram a atenção com seus ambiciosos planos de popularizar o computador para uso doméstico.

O sucesso financeiro da empresa, que começou na garagem de Jobs, foi praticamente imediato, mas instável. No início dos anos 80 a empresa já era conhecida pelo desenvolvimento de interfaces gráficas para sua linha de computadores Macintosh, mas alguns produtos foram um fracasso de vendas. Outros venderam, mas não davam lucro.

O homem que se tornou a cara da Apple, Steve Jobs, deixou a empresa em seus primeiros anos de vida e fundou a NeXT. Em 1998 a Apple a comprou, trazendo Jobs no pacote e o nomeando CEO da empresa. A vontade de “pensar diferente” da Apple se juntou à visão de seu fundador. Neste momento, botou-se fogo na fundanga.

Foi surfando na onda da popularização do computador pessoal que a Apple conseguiu suas melhores manobras. Indo na contramão da caretice de concorrentes como a IBM e a Microsoft, a empresa criou seu modelo, digamos “think different” de lançar produtos. Steve Jobs e sua turma focalizaram seus esforços em transformar todo e qualquer aparelho lançado pela empresa em algo cool, diferente, bonito de ser mostrado na mesa do home office.

No lugar de réplicas de aparelhos hospitalares cinzas e desajeitados, computadores coloridos e ousados, com referências que variavam entre o kitch dos anos 70 ao minimalista. Em vez de cabos, fios e complexos manuais de instalação, produtos que você tirava da caixa, apertava um botão e…. bingo!

Uma bicicleta para a mente

Foi com esta metáfora que Steve Jobs tentou explicar à sua equipe a direção para criar seus produtos. Simples, acessíveis, fáceis de usar. Ainda durante os primeiros passos da empresa, um designer chamou a atenção dos sócios da pequena empresa ao apresentar-lhes protótipos extremamente provocantes para computadores.  Seu nome era Harmut Esslinger.

Apesar de ainda impossíveis de colocar em prática comercialmente, os desenhos de Esslinger ficaram criptografados na mente de Jobs, que não só o manteve na empresa como também o levou junto em seus outros empreendimentos, como a empresa NeXT e a gigante da animação Pixar.

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Protótipo desenhado por Harmut Esslinger – foto: acervo Apple

Outra mente brilhante por trás do design da Apple foi o inglês Jonathan Ive, que no meio da década de oitenta fundou a empresa chamada.. eer….  Tangerine. Além de desenhar produtos doidões, Ive também criava o projeto de engenharia ou seja: dizia como o novo gadget seria e como ele poderia ser viável tecnicamente. O pessoal responsável pelo design da Apple, em especial Robert Brunner, tentou por três anos trazer Ive para a Apple, até que conseguiram convencê-lo em 1992.

O papai infante do Imac

Imediatamente a Apple começou a mostrar ao mundo sua visão para desenho de produtos. O Emate, desenhado por Thomas Meyerhoffer, era um laptop de baixo custo para ser usado em escolas,  era algo completamente diferente do que havia sido visto anteriormente no mundo dos computadores. “Todos os laptops até então eram um trambolhão quadrado de plástico bege. Eu queria que este produto fosse leve e divertido. E como ninguém sabia o que havia dentro destas caixas beges, eu quis transmitir a sensação de que havia algo inteligente já dentro. Por isso usei o plástico translúcido, a única forma de mostrar isso. Deu mais vida ao produto”, contou Meyerhoffer, em entrevista à revista Fast Company.

Sim, o brinquedo com formas infantis arredondadas e textura de acrílico azul foi o antepassado direto do iMac.

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o laptop escolar Emate – foto: divulgação empresa

A primeira resolução de Steve Jobs como o cabeça da Apple foi montar uma equipe para redesenhar toda a linha de desktops da empresa, os Macintosh. Até então os modelos disponíveis ainda eram quadrados, grandalhões… e beges!

O recém lançado Emate, com sistema operacional chamado Newton e bastante inferior ao concorrente Microsoft Windows, teve sua produção descontinuada apenas um ano após seu lançamento. Em seu lugar a Apple apresentou o computador pessoal que foi a coqueluche dos moderninhos e das agências de publicidade de todo o mundo, o iMac.

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O primeiro iMac, disponível em diversas cores hypadas – foto: divulgação Apple

iMac, uma versão cartoon do futuro

“Quando vi o protótipo do iMac pela primeira vez fiquei chocado. Era uma versão cartoon do futuro”, contou Ken Segall, diretor criativo da empresa na época.  Disponível em cinco cores atraentes, o produto foi um sucesso de vendas. O primeiro computador da história que parecia um produto de consumo e não um equipamento comercial.

Entretanto, o lançamento provocou a necessidade de redesenhar o sistema operacional. Apesar de o novo computador ser leve e colorido, o que aparecida na tela ainda era escuro e sisudo. Rapidamente o “design thinking” da Apple chegou ao software. A empresa correu para lançar o Acqua, o primeiro sistema operacional alinhado com o novo conceito de produtos da Apple.

Nada além de um computador

Na virada dos anos 2000, Jobs desenvolveu uma obsessão: vender os produtos através de uma rede de lojas próprias, inovadoras e diferentes. Protótipos de lojas inteira da Apple eram construídas dentro de galpões secretos. Então visitadas, testadas e então destruídas para a tentativa de um novo modelo.  “Nós só tínhamos computadores para vender na época” – conta Mike Fischer, diretor de visual merchandising na época – “então tínhamos de criar a sensação de sensualidade na compra de um simples computador”.

Apesar do estranhamento e da falta de confiança no modelo das Apple Stores quando foram lançadas, em três anos o projeto virou um exemplo de sucesso.  Lojas com design extremamente provocantes, atendentes que, em vez de vendedores, eram chamados de “gênios” e a criação da tal “experiência” de compra, hoje tão comum em aulas de administração, mas pouco praticado na época.

A preocupação com o design não só no produto, mas na embalagem, na facilidade de uso e até mesmo nas lojas foi o pulo do gato para elevar a empresa a uma espécie de Santo Graal do branding.  O processo foi formatado de um jeito em que a qualidade era garantida. O preço era alto. E os consumidores pagavam orgulhosos.

O computador como o centro de um universo

Durante a década de 00 a política de criação da Apple já estava alinhada: o produto, a experiência e a comercialização deveriam ser pensadas juntas.  A partir de então Jobs e sua turma partiram para o desenvolvimento de outro conceito, o do computador como o centro de um universo. O colorido e estiloso equipamento em cima da sua mesa seria o fornecedor e armazenador de todas as coisas pelas quais você se apaixona: fotos, música, trabalho, estudos, livros, vida.

O time da Apple agora tinha um norte: desenvolver acessórios que se conectavam com o iMac e que pudessem ser levados para todos os lugares, retornando à nave mãe para descarregar o que foi coletado pelo mundo via som, fotos, vídeos, ou obviamente através das lojas online da Apple.

A partir daí, três funcionários da empresa trabalharam juntos no primeiro equipamento que seguia esta diretriz: Tony Fadell, Jon Rubinstein e Doug Satzger. Nascia o iPod!

 Mil músicas no bolso

O conceito inicial era desenvolver um equipamento do tamanho de um maço de cigarros que pudesse armazenar pelo menos mil músicas. Considerando a política vigente na época, teria de ser completamente conectivo ao iMac (para isso foi criado o software iTunes, padrão Apple até hoje), ter um design inovador que também envolvesse uma nova experiência de acesso.

O resultado não poderia ter surpreendido mais.  Quem não se lembra de ter colocado um iPod na mão pela primeira vez? Com aspecto de uma caixa mágica futurista, todos os comandos eram acessados por um só botão giratório. O escorregar do polegar definia qual função acionar. Genial, bonitinho, pequeno e elegante. o iPod foi uma revolução.

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Da esquerda para a direita, a evolução dos iPods – foto: reprodução Youtube

O design minimalista e clean do iPod, você pode estar se perguntando, não foi a ruptura de estilo com o colorido e arrendodado iMac. O tocador de música ambulante da maçã foi o terceiro lançamento da fábrica voltado para este padrão.

Contrapondo-se no design

A Apple não admitiria que um concorrente oferece um contraponto ao design proposto pelo iMac e resolver fazê-lo por conta própria, “encafonizando” o próprio produto e de certa forma, digamos, incentivando os fãs a trocar seus produtos por novos.

A melhoria técnica também passaria por uma evolução estética. Dentro daquele universo que falamos acima, de oferecer uma experiência única desde a comercialização, os produtos começaram a ser lançados com um estilo visual bastante alinhado com o das lojas.  O primeiro produto que apontava esta mudança de direção, ainda que com aspectos de transição como as formas arredondadas,  foi o desktop da linha Cube, lançado pouco antes do iPod.

Apple Cube

Cube – foto: divulgação empresa

Entretanto um outro produto, também lançado pouco tempo antes do iPod, que serviu de totem para os futuros projetos da empresa, cristalizando um estilo que permanece até os dias de hoje. O laptop da linha Powerbook Titanium.

Apple Powerbook Titanium

Powerbook Titanium – foto: divulgação empresa

A preocupação com os detalhes da tão referida experiência chegou a pontos de atenção inéditos no desenho de produtos, como por exemplo o som que os acessórios produziam ao serem utilizados.

Design em tudo

” Existe cor e forma em toda forma de arquitetura, mas para nós havia também outros conceitos de comportamento mais difíceis de definir, como o barulho do click de uma tecla ou compartimento ao ser fechado, ou a força magnética do imã que trava o produto. Por exemplo, uma da caoisa que nos preocupou era o case onde você guardava os acessórios AirPod. Eu amo estes detalhes, você não tem ideia do tempo fabuloso que gastamos desenvolvendo isso”, disse Jonathan Ive em uma entrevista à revista GQ.

Para não deixar que a poluição visual externa comprometesse o conceito Apple, os diretores envolvidos na criação eram enclausurados em uma espécie de mundos futuristas. As descrições da “sala secreta” onde pessoas como Jonathan Ive trabalhavam, depois ampliadas no conceito dos Apple Parks, falam de “grandes salões minimalistas com mil a mil e quinhentos metros quadrados, revestidos em alumínio ou titânio, com salas centrais parecidas com aquários, onde Ive trabalhava”, diz Satzger. Ive tinha uma mesa desenhadas por Marc Newson, uma luminária Tolomeo e duas gavetas.

Então, o projeto secreto

O projeto que resultou no iPhone começou a partir do iPod. Enquanto a equipe trabalhava em novas versões como o Mini e o Nano, Tony Fadell e seu time pensavam em como poderiam integrá-lo a um aparelho de telefone. A consolidação do iPod como um acessório conectado ao computador, que estava conectado a um software específico (o iTunes) que por sua vez estava ligado a uma loja online, via internet e lucrativa no recente mercado de arquivos .Mp3, se tornara um exemplo a ser seguido.

Durante este período a Apple havia adquirido a empresa FingerWorks, pioneira na pesquisa de telas multitouch. A ideia era usar a tecnologia no projeto de iPads, já em desenvolvimento, capitaneado por Duncan Kerr. Em um reunião da equipe, Kerr apresentou protótipos de seu “computador de mão” utilizando a tecnologia de touch. Aa ideias de virar uma página com o dedo ou aumentar e diminuir o zoom utilizando dois dedos foram criadas ali.  Apesar do potencial visto, a equipe ainda não considerou o tablet bom o suficiente para ser lançado no mercado. Foi quando Scott Forstall, encarregado do sistema operacional Mac OS, sugeriu usar a tecnlogia em um telefone que rodasse o sistema operacional da Apple.

Surgia o “skankphone”

O maior sucesso comercial da empresa foi criado como um remendo entre dois outros projetos “principais”, o iPod e o Ipad. A ponto de a equipe inicial chamá-lo de “skankphone” para designar algo meio indesejado, gaiato.

Apple iPhone

iPhone original – foto: divulgação empresa

O “acessório mais vendido da história” – e também o mais influente já criado, segundo a revista Wired – chegava então às lojas, precedido de incrível expectativa e gerando filas na data de lançamento nas lojas da empresa. Um bilhão e meio de aparelhos foram vendidos. Um gigantesco mercado para desenvolvedores de aplicativos foi criado e muitas pessoas usaram (e usam) hoje o smartphone como computador, tocador de música, máquina fotográfica, scanner, fita métrica… e por vezes como telefone.

Assim como aconteceu com iPod, os iPhones revolucionaram a forma como se manuseia um celular. Até seu lançamento, o padrão e mercado era copiar os Blackberrys, massacrados pelo concorrente recém-lançado. Steve Jobs anunciou o telefone que contava com apenas um botão físico e uma tela touch durante uma de suas “palestras show” de aproximadamente uma hora e chegou às lojas 6 meses depois.

“Antes de anunciarmos (o iPhone) na Macworld em janeiro de 2007, eu estava sentando na privada usando um dos seus aplicativos e pensando, ‘isso é revolução’. Eu estava checando meus e-mails na privada. Foi quando me dei conta que estava com algo completamente diferente nas mãos”, conta Matt Rogers.

Enfim, o pai que nasceu depois do filho

Em 2010 a Apple, sob a pressão enorme de expectativas graças às revoluções anteriores, lançou o iPad, aquele cujo desenvolvimento foi o responsável pelo maior sucesso da história da empresa, o iPhone.

De certa forma, foi como se o filho tivesse nascido antes do pai.  O foco, os investimentos e as reuniões eram direcionadas ao tablet, algo que revolucionaria o conceito de “computador portátil”. Ninguém imaginava, graças ao desenvolvimento dos apps, que tudo o que um tablet poderia oferecer seria feito com mais facilidade, rapidez e praticidade no iPhone. Exceto ler um livro digital.

A equipe que trabalhou no desenvolvimento do iPhone era minúscula. No início, consistia em um engenheiro, um especialistas em redes e um gerente de projeto. “Se o iPhone vendesse 1 milhão de unidades já seríamos conspirados heróis”, comentou Rogers. Vendeu 1.500 vezes mais.

Apple iPad e Steve Jobs

Steve Jobs, que faleceria um ano depois desta apresentação, com o primeiro iPad – foto: divulgação empresa

No momento em que o iPad foi lançado, as concorrentes mais fortes da empresa como a Samsung, em hardwares, e a Google, em softwares, estavam muito perto da Apple, quando não há frente, caso da gigante criadora de serviços como Gmail e Google Maps.

Apesar do design bacana e da garantia de qualidade, o iPad não era a revolução propriamente dita e em pouco tempo opções tão boas quanto (e bem mais baratas) eram colocadas no mercado pela concorrência.

Ainda assim, foi cool por um bom tempo ter seu iPad e,verdade seja dita, seu maior concorrente é justamente o filho, que continua evoluindo até hoje, com alto valor de mercado (e mesmo de revenda em segunda mão), graças à sua engenharia que dificulta a pirataria de peças.

A morte de Steve Jobs foi uma das razões pela qual a Apple, que comemorou 45 anos em março deste ano, perdesse (apenas um pouco) sua mítica aura de criadora do futuro. O avanço da gigante Google, que aliava a experiência e a simplicidade de uso com a gratuidade (em troca de dados do usuário, claro) de todos os seus serviços derrubou o modelo de negócios da maçã gigante.

Ainda assim, a empresa sempre será lembrada pelo design. Design de produto, de uso, de sons de teclas, de embalagens, de lojas… de “experiências”.

“Todas as empresas estavam pensando em um celular que fosse inteligente. Enquanto isso, a Apple pensava em um celular que fosse amado” – Horace Dedio, analista de produtos que trabalhou para a Nokia durante o lançamento do iPhone.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.