Crespo MC Crespo MC – foto: divulgação

A cultura hip-hop não para de crescer, através da cena independente, da internet e de artistas talentosos

Music Non Stop
Por Music Non Stop

Da periferia aos centros urbanos: Hip-hop conquista novos espaços e se amplifica através da internet e do acolhimento de casas culturais independentes.

Texto de Bárbara Zarif

Na Nova York de 1973, nos Estados Unidos, o DJ jamaicano Kool Herc organizou uma festa histórica que deu início à cultura hip hop. Nela, o DJ decidiu tocar apenas o instrumental e os beats das músicas de James Brown e James Clinton, o movimento inovador encantou todos os presentes, que acabaram por reproduzir o estilo, dando início à cena do hip-hop. 

evento hip hop

Foto divulgação por Nathallie Carramillo, no sarau Declama, mulher! na Casa das Rosas

No início da década de 80, o hip-hop chegou em São Paulo, e grupos periféricos começaram a se reunir na Galeria 24 de Maio e na estação São Bento do metrô para se expressarem através da dança, ritmo e poesia ou grafite. Naquela época aconteceu um marco importante e extremamente relevante para a história da cena: o grupo norte-americo, Public Enemy, fez seu primeiro show em São Paulo, em 1984, trazendo e apresentando o rap a inúmeras pessoas. O Brasil vivia em um regime ditatorial, o que fez com que a cultura politizada e de oposição se difundisse principalmente pelas periferias do país, gerando identificação com muitos jovens que buscavam uma maneira de fugir da censura e preconceito da época.

 


Em 2003, o jornalista Thiago Ney, da Folha de S.Paulo, fez uma matéria sobre uma conversa por telefone com o líder do Public Enemy, Chuck D. Na época a ascensão da internet era bastante expressiva e o grupo estava começando a difundir seus álbuns e lançamentos de forma digital, criando e-commerce para comercializar os produtos da banda e disponibilizando singles para serem baixados.

O veículo perguntou como ele imaginava a indústria da música em 10 anos, ou seja, em 2013, e Chuck D afirmou que teríamos artistas da internet, gravadoras independentes e o artista, no fim, seria mais importante do que o CD lançado.

Hoje, quase 20 anos depois da entrevista, vemos essa realidade acontecendo. Inúmeros artistas independentes usam a internet a seu favor para ganharem visibilidade para além de seus ciclos, e o que essas pessoas representam acaba sendo tão relevante quanto o produto final.

O rap foi se adaptando às mudanças sociais e culturais do tempo, mas algumas coisas permanecem em comum às citadas pelos grupos pioneiros no assunto. O movimento ainda tem forte presença nas periferias do país, é político e é formado por jovens que procuram espaço na cena musical. Hoje, assim como Chuck D afirmou em 2003, encontramos cada vez mais artistas realizando suas produções de forma independente, contando com a internet para ganharem espaço na mídia, e com os lugares físicos que aceitam bandas independentes e têm um resgate ancestral, para se apresentarem. 

É o caso do grupo TEREZA, formado por Knox (26) e Miko (27), dois jovens do Taboão da Serra, Zona Sul de São Paulo, cujas referências sempre foram artistas negros da música brasileira como Djavan, Jorge Ben e Gilberto Gil. Como moradores da favela, o hip-hop sempre esteve presente, “mesmo na minha vida onde o rock sempre foi mais forte, o rap nunca perdeu espaço”, afirma Knox. 

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Foto divulgação na LAJE SP, tirada por Matheus Ferreira, idealizador da Rosa Negra produções, cooperativa audiovisual focada em produções documentais e/ou fictícias nas periferias de SP.

Contam também que sempre quiseram produzir música, mas foi na pandemia, com o isolamento social, que se juntaram para pensar em como fariam acontecer esse sonho. As primeiras composições surgiram no quarto da antiga casa do Miko, na favela do Monte Azul.

De lá para cá lançaram o álbum Estige, e o single Efêmero, todas as músicas compostas com letras e beats autorais.

A divulgação é realizada inteiramente pela internet, através das redes sociais do grupo (@azeret.art) e as músicas estão disponíveis nas plataformas digitais. Com a retomada das atividades presenciais, a dupla passou a se apresentar e ocupar outros ambientes da cidade, levando a cultura hip-hop para além da Zona Sul, para o centro de São Paulo.

Eles afirmam que esse movimento de procurar outros locais para se apresentar é também uma forma de levar a cena para espaços que vão além da periferia. “O Rap sempre invadiu espaços, sempre foi vanguardista e nos apresentar em locais diferentes nos proporciona conexões que não seriam possíveis na convivência cotidiana. O rap precisa sair da periferia para falar pelos periféricos”, fala Knox.

Apesar de hoje vermos o rap ganhando cada vez mais espaço, como por exemplo o show histórico do Emicida no Theatro Municipal de São Paulo, em 2021. Ainda têm muitos artistas independentes e talentosos querendo viver de música e correndo atrás desse sonho. Esses locais que abrem a porta para que eles se apresentem, indiretamente abrem a porta também para outros jovens que acreditam na cena, como Knox e Miko.

A dupla conta que o show de lançamento do primeiro álbum aconteceu este ano (2022) na LAJE SP, espaço independente de Perdizes que abraça bandas autorais desde 2016. Após essa estreia, TEREZA não parou de se apresentar em espaços culturais independentes, movimento que também ajuda o grupo a ganhar público e amplificar a cena. 

No dia 10 de Setembro irão lançar o single Reflexo e o show de lançamento será na Casa Di Caboclo, espaço Cultural em Santa Cruz (SP), idealizado pelo Borba, avô do Crespo MC, na década de 60. O espaço é um importante reduto político que abriga movimentos e manifestações relevantes para a negritude paulistana e brasileira. No Instagram, eles afirmam que é “um espaço de acolhimento e de voz de setores marginalizados pela sociedade”. 

Conversamos com o Crespo MC e ele contou que Casa di Caboclo era o nome de seu grupo, eleito o melhor álbum de rap de 2008 pela rede Cultura, prêmio cata-vento da nova música do Brasil, oferecido pelo crítico Solano Ribeiro. Mas só após 10 anos que a Casa Di Caboclo se transformou em um espaço físico, momento em que o rapper começou a abrir seus ensaios para a vizinhança e aos poucos transformou a casa onde morava em espaço de convivência, abrigando outros artistas e vivendo do bar. 

O local se tornou um espaço de resistência e acolhimento, quase como um quilombo moderno para os locais que resistiram à especulação imobiliária e branqueamento do bairro. “Essa militância da casa é  vocacional, em nenhum momento nos posicionamos como um espaço panfletário de resistência, acontece que naturalmente  quem se identificava, se aproximava e colaborava, eram pessoas nesse perfil, nosso público é  80% preto num dos bairros mais brancos da cidade!”, afirma Crespo MC. 

Além de colecionar prêmios e elogios de grandes veículos, como a revista RollingStone, +Soma e Hardcore, o rapper já dividiu palco com nomes influentes da cena, como Bnegão, Black Alien, Thaide e Rael. Seu último lançamento foi “Jogo de Cintura”, música autoral que interpretou com Mestrinho e está disponível nas plataformas digitais.

Perguntamos sobre a marginalização da cultura hip-hop e como Crespo enxerga o futuro do rap: “Não acho que hoje a cultura hip-hop seja extremamente marginalizada, é uma conquista relativamente nova, mas já nos vemos inseridos no mercado, tendo artistas com cachês bons, grandes marcas associadas e etc. O maior desafio é não se desvincular da base, não esquecer as funções sociais e principalmente não sair dessa marginalização através da apropriação cultural, elitização e branqueamento como aconteceu com o jazz,  com o rock e com setores do samba e do Carnaval. Penso que dentre todos esses gêneros musicais o rap é  o que consegue preservar e respeitar melhor sua origem, pode ser devido a cultura hip-hop que trabalha princípios além  da música”. 

Graças ao resgate histórico ancestral, aos espaços de acolhimento e à internet, grupos independentes se tornam referências entre si e a cultura hip-hop vai se consolidando sem perder a politização e resistência que a cena representou e ainda representa.

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