Foto: Reprodução2º maior vendedor de discos do Brasil, Nelson Gonçalves ganha HQ biográfica
Ídolo brasileiro era “o punk dos punks”, diz roteirista de METRALHA: A vida de Nelson Gonçalves em quadrinhos, Márcio Paixão Jr.
Quando chegou na casa de detenção, Nelson Gonçalves (1919–1998), ídolo máximo da música brasileira preso por tráfico de cocaína (era um power user, mas a coisa de traficar foi invenção da polícia), quis saber quem era o manda-chuva da cadeia. Em seu primeiro banho de sol, foi lá e espancou o cara, usando seus conhecimentos de boxeador, sua primeira tentativa de profissão. Mandou o figura para a enfermaria. “Agora, a cadeia tem dois xerifes”, disse ao pobre homem, em recuperação na cama.
Quem ouve e canta junto seus angustiantes e sensíveis sucessos, como A Volta do Boêmio e Renúncia, jamais poderia imaginar o quanto o maluco — o segundo maior vendedor de discos da história do Brasil, apenas atrás de Roberto Carlos — era casca dura. “O cara era o punk dos punks”, me conta Márcio Paixão Jr., roteirista da novíssima novela em quadrinhos METRALHA: A vida de Nelson Gonçalves em quadrinhos, lançada em 19 de novembro pela editora MMarte, com ilustrações de Fábio Cobiaco. A história de um marginal contada por seus pares.
Marcio foi o fundador da banda Mechanics, até hoje em ativa barulheira em Goiânia, e Cobiaco, um chafurdador do underground gráfico brasileiro, ambos na ativa desde a década de 90. METRALHA traz alguns causos retirados da biografia de Gonçalves, escrita por Cristiano Bastos.
“Ele como personagem é uma coisa inacreditável, de uma riqueza… O Bastos me convidou e eu me propus a contar sua história em quadrinhos, os principais momentos da biografia. Me interessei e fui elencando capítulos. Minha ideia foi contar os episódios mais pitorescos, mas que dão a dimensão do que foi esse cara”, explica Márcio Jr.

Imagem: Divulgação
E que personagem. Os punhos, de certa forma, foram tão importantes a Gonçalves quanto sua voz. Quando chegou no Rio de Janeiro, se envolveu em uma briga de bar e espancou o maior matador da Lapa (armado), de quem ficou amigo um dia depois graças à intermediação de ninguém menos do que Madame Satã. Miguelzinho Camisa Preta, o espancado, se tornou parceiro do músico porque “ele lutou como um homem”.
Décadas mais tarde, livre da cocaína que tirou quase tudo do cantor (menos a voz e a porrada), Nelson Gonçalves usaria o boxe para se promover, lutando com o supercampeão Eder Jofre e inventando as “lutas de famosos”, tão comuns hoje em dia.
O livro conta essa e vários outras histórias sob o traço certeiro, noir, de Cobiaco. Márcio Jr. continua:
“Minha ideia foi construir uma narrativa, um sobrevoo, para que quem termine o livro saiba de coisas que não se lembrava ou não sabia sobre Gonçalves. De ter sido um boxeador, o vício em cocaína, algumas de suas paixões tórridas e as confusões que se enfiava por causa de mulher… E como conseguiu seu contrato com a rádio”.
Quando chegou no Rio de Janeiro para tentar um contrato carregando um acetato (cópia única de um disco) debaixo do braço, o dono da gravadora o enxotou, chamando-o de farsante. Nelson Gonçalves era gago. Voltou no dia seguinte pronto para enfiar a porrada no diretor quando encontrou com Benedito Lacerda, que propôs um audição para tirar a dúvida. Saiu de lá contratado.

Imagem: Divulgação
Do jeito que foi concebida, METRALHA aproxima o fã de Nelson Gonçalves, o apaixonado pelo quadrinho e o aficionado em boas histórias da música, sem endeusamento do personagem. Espancador de mulheres, veio justamente de uma figura feminina (Maria Luiza, sua companheira da época) a salvação do vício que nem as clínicas de reabilitação resolveram. Pai ausente e narcisista, foi amparado pelo filho na reconstrução da carreira e morreu ao lado da filha, em 1998, de infarto fulminante.
O livro é delicioso e indispensável, para ler em uma tarde e revisitado tantas outras vezes, já que os capítulos tem arcos dramáticos independentes. A biografia de Gonçalves ajuda muito. O que falar de um cara que foi recebido na cadeia com o pavilhão inteiro cantando A Volta do Boêmio em uníssono?
“O cara tem tantas histórias boas que mereceria um volume dois!” Pois é, Márcio. Isso é o que a gente espera.



