Foto: ReproduçãoCaso Kanye West: qual a régua moral da Prefeitura de São Paulo?
Rapper que aderiu ao nazismo jamais deveria ganhar dinheiro no Brasil, mas comportamento errático da gestão Ricardo Nunes levanta dúvidas
Mocinho ou vilão? Ricardo Nunes, prefeito de São Paulo, vem confundindo a cabeça dos produtores culturais da cidade cancelando, de última hora, eventos por questões “morais e éticas”. Que Kanye West se mostrou um nazista filho da puta nos últimos anos, ninguém discute. Mas vamos falar de um outro lado da história aqui: as táticas escusas da prefeitura da capital paulista.

Nosso leitor já conhece a opinião do Music Non Stop. Kanye jamais deveria ganhar dinheiro no Brasil, e faltaram vários parafusos na cabeça de Guilherme Cavalcante e seus sócios da Holding Entretenimento & Networking, quando decidiram depositar cinco milhões de dólares, segundo contou o próprio Cavalcante em entrevista à Folha de São Paulo, na conta de um rapper que recentemente lançou uma música chamada Heil Hitler. Nunes viu a oportunidade de bancar o herói e abrir um precedente perigosíssimo para o mercado artístico da cidade.
A prefeitura revogou o contrato da produtora com o Autódromo de Interlagos, sob sua administração, alegando, em nota oficial, que “a atual gestão não compactua com qualquer conduta criminosa de apologia ao nazismo e/ou racismo e, por isso, não permitirá eventos com essa conotação em equipamentos municipais”. A notícia veio a público nesta segunda-feira, 10. Detalhe: a canetada rolou a menos de um mês do show, então marcado para 29 de novembro.
Quem já deu as costas para Kanye West comemorou. Ele, e quem decidiu trazê-lo, têm mesmo é que se ferrar. Não é possível que um equipamento público seja utilizado para promover discurso de ódio. Estão certos, mas há um monstro no fundo do lago. Em julho, a Prefeitura de São Paulo fez a mesma coisa, só que com uma feira literária independente, a FLIPEI. Revogou o contrato de uso da Praça das Artes cinco dias antes do evento começar, alegando “uso político do espaço público”. A feira tinha em sua programação oficial vários debates sobre o genocídio do povo palestino.

No caso da FLIPEI, a Prefeitura foi metralhada nos veículos de imprensa e redes sociais. Agora, acha que está lustrando a sua imagem e mostrando pulso firme, ficando “do lado certo” e acabando com a festa racista, misógina e xenofóbica do rapper estadunidense. Em ambas, a mesma tática: deixar o cancelamento para a última hora, dificultando ao máximo a realização do evento censurado.
A feira literária conseguiu se reajustar e fazer o evento mesmo assim, com grande sucesso. A produtora do show de Kanye West ainda não conseguiu se resolver com isso. Mas, uma vez que a data já está paga, é possível que consiga dar um jeito de mudar a apresentação para outro espaço privado, disposto a manchar sua imagem por um bom aluguel.
Ricardo Nunes me obriga a colocar um hediondo rapper estadunidense e editores de livros independentes brasileiros do mesmo lado. E temos de fazê-lo, pensando no futuro da produção cultural paulistana. Por que o contrato de uso de Interlagos foi assinado, então? Por que a mudança de ideia a apenas três semanas da realização do evento? Quais serão os próximos eventos cancelados de última hora motivados pela tal “moral e a ética” do prefeito? Que moral e que ética é essa, exatamente? Quais tentáculos desse patrulhamento moral sairão do lodo nos próximos meses, talvez afetando editais culturais, a produção artística como um todo e os alvarás a eventos privados?

Em busca dessas respostas, o Music Non Stop entrou em contato com a assessoria da Prefeitura de SP. Ao perguntar sobre o motivo do cancelamento a apenas três semanas do evento, recebemos como retorno um trecho previamente publicado da nota oficial:
“No momento da reserva da data para o evento, os organizadores não informaram ao Município qual artista seria contratado para realização do show. Após definição posterior pelos promotores, a Prefeitura de São Paulo decidiu revogar o termo mencionado, uma medida prevista em contrato. A atual gestão não compactua com qualquer conduta criminosa de apologia ao nazismo e/ou racismo e, por isso, não permitirá eventos com essa conotação em equipamentos municipais. O pagamento da taxa tem restituição integral, conforme também previsão em contrato”.



