BADSISTA Foto: Victor Cazuza/Divulgação

Música sem filtro, pista sem fronteiras: o novo capítulo de BADSISTA

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Com o novo EP CUTEBOYZ e uma agenda expressiva de alcance global, DJ e produtor brasileiro conversa com Jota Wagner

Anunciar que o recém-lançado CUTEBOYZ é o segundo EP de BADSISTA pode surpreender muita gente. Martelo que demoliu o muro entre a música eletrônica dita tradicional (techno, house…) e o funk, o venerado produtor e DJ paulistano é onipresente no novo cenário musical brasileiro há tempos, produzindo um monte de gente, tocando em tudo o quanto é lugar e se envolvendo noutro tanto de projetos musicais.

Mas a real é que o artista que nos fez acostumados a uma animada experimentação na pista de dança, não tem saído de cima do palco nos últimos dois anos.

“O mundo do DJing tem dominado bastante a minha vida nos últimos tempos. Tem sido legal. Dei um mergulho fundo nessa vida nos últimos dois anos, me dedicando a isso.” Quando conversou com a gente para essa iluminada entrevista, estava em Berlim.

Se a agenda corrida torna mais difícil a imersão em estúdio, traz em contraponto uma vivência de pista de dança indispensável para um produtor. Testando e testando músicas no meio da festa, BADSISTA compreende o que quer e o quer não quer em sua música. E tudo isso está bem claro no novo CUTEBOYZ. lançamento com cinco inéditas de um dos maiores presentes dados ao cenário eletrônico brasileiro, em toda sua recente história.

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Capa do EP “CUTEBOYZ”. Foto: Divulgação

O que acha de tudo isso? Ele nos conta aqui:

Jota Wagner: Gigs como DJ, uma infinidade de colaborações com os artistas e, agora, álbum novo na praça. Como você lida com tudo isso rolando junto?

BADSISTA: Olha, já fui bem mais regrado nesse lance de produzir. Acho que quando finalizo um projeto, eu deixo rolar por um tempo de forma mais leve. Quando estamos no meio de uma produção, a gente fica meio nóia, se atentando a tantos detalhes… Você faz a música, presta atenção, lapida, depois vai para a mixagem e lapida mais um pouco. É todo um processo que, quando termino, fico um pouco fora do fluxo de produção. Mas olha que eu tenho feito bastante coisa.

Você fica ouvindo seus trabalhos depois de lançados?

De vez em quando. Tem coisas que eu deixo de lado, mesmo. Todo artista usa a música como um escape emocional. Às vezes você fez a coisa em uma época em que algo estava rolando na vida, então é mais difícil ouvir depois. Mas, quando volto e ouço, de vez em quando, acho legal, interessante, bem-feito. Enfim, um bom trabalho. Mas é diferente para quem ouve sem a carga emocional que tem pra mim. Acho que com o tempo a gente fica mais gentil também, menos crítico.

Você divide a vida entre as produções em os shows. Como a discotecagem afeta a criação da sua música?

Eu acho que tem músicas que eu faço por fazer, no estúdio [sem pensar em como ela vai soar na pista de dança]O mundo do DJing tem dominado bastante a minha vida nos últimos tempos. Tem sido legal. Dei um mergulho fundo nessa vida nos últimos dois anos, me dedicando a isso. Antes, eu fazia muitos projetos com outras pessoas. Produzi a Linn da Quebrada, a Jup Do Bairro, e muitas outras coisas. Então comecei a fazer coisas só minhas, que têm me rendido frutos legais.

O rolê do palco às vezes se torna um lugar de experimentação. Eu venho de uma família de músicos. Meus primos cantavam em barzinhos, eu também já fiz isso. Temos o rolê do artista, de ir onde o povo está. E esse fato de eu tocar, querendo ou não e principalmente nas últimas turnês, fizeram com que eu consiga me conectar com as pessoas puramente pela música. Lá fora, a pessoa fala uma língua e eu falo outra, mas ao mesmo tempo ela está ali, e é uma linguagem comum, fácil de se conectar. Tenho valorizado muito esses momentos. As músicas do EP aconteceram assim. Eu vou, toco, mexo nelas de novo, experimento.

Eu não coloco carimbos na música. Toco sem as pessoas saberem se é minha ou de outra pessoa. Se elas gostam, vêm perguntar o que é, para mim já passou no teste. Antes, eu fazia música meio sem esse compromisso, mas hoje em dia eu chapo mais em proporcionar uma viagem, através de uma composição minha.

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Foto: Victor Cazuza/Divulgação

Você me contou que já tocou em barzinhos. Quando foi que você virou a chave para a música eletrônica?

Eu sempre gostei. Tinha um primo que era desse universo no final dos anos 90, ali na Zona Leste. Ele fazia uns live sets usando aquele teclado, o Juno, o mesmo que os Chemical Brothers usavam. Na época não tínhamos computadores poderosos. Através dele, fiquei experimentando com um teclado pela primeira vez, fazendo sons esquisitos. Sempre tive uma facilidade muito grande com música. Comecei a estudar muito cedo. Estudava coisas bem cabeçudas, difíceis para uma pessoa da minha idade. Então comecei a fazer barzinho, tocava violão e, quando saí do ensino médio, fiz um ProUni e consegui passar em produção de música eletrônica. Foi quando entendi como fazer música no computador, diferente do que eu já sabia, que era usando um instrumento.

Uma pessoa que me ajudou muito nessa virada de chave foi a Lady Di. Com ela, saí desse mundo do barzinho e fui fazer outra coisa. Hoje, agradeço demais.

Você é um dos martelos que derrubou o muro entre a música eletrônica tradicional e o funk…

Eu acho que nada disso foi pensado, Jota. Era a minha mentalidade mesmo. Sempre gostei de viver o presente e sempre me guiei muito pela música. Amor, eu já fui parar em cada buraco atrás de música! Eu não estou nem aí. E quando a gente para e pensa, dentro da quebrada, essa separação nunca existiu. Em raves, tinha um DJ de funk e um de psytrance. Essas coisas sempre coexistiram na periferia. Para mim é assim. Se tá no mesmo BPM, dá pra tocar de tudo e foda-se.

Mu540 me contou que esta separação na música eletrônica nunca existiu na quebrada…

Ninguém tá nem ai se é psytrance, ou minimal, ou qualquer outra coisa. Eu acho que esse lance de ser um dos martelos, como você falou, que quebrou esse muro, é porque eu sempre fui meio Pica-Pau. Sentia o cheiro de algum novo tipo de música e ia atrás. E por isso comecei a entrar nesse mundo da música eletrônica.

Eu sempre vivi o que tem dentro de mim e ao redor. Eu estava muito imerso no mundo dancehall feito nos anos 80 e 70. Ao mesmo tempo, começaram a rolar umas festas de graça, como a Mamba Negra, e eu fui até lá com um irmão e um amigo nosso. Ninguém me conhecia e eu também não conhecia ninguém, só fui para ouvir a música. Pensei: “é diferente e é legal”. E ali, naquele movimento de música eletrônica, eu achei uma grande plataforma para experimentar milhões de coisas. Não foi uma coisa consciente, mas eu sou meio hipster, não gosto de estar no mesmo balaio que todo mundo. Se todos estão tocando uma música, eu já não a toco mais, ou faço uma versão diferente para tocar.

Como você vê essa coisa da aceitação gringa com a música eletrônica feita no Brasil?

Não é a primeira vez que isso acontece. Temos um país que borbulha coisas novas, sejam de décadas passadas ou de agora. É um curso natural do nosso poder criativo. Mas sim, eu já vi uma música do Travis Scott com beat de funk, e sem nenhum brasileiro na produção. Então, literalmente, já foi [no sentido do funk de já ter sido apropriado pelos estrangeiros]. Mas eu acho que, igual ao da gente, não tem igual.

Quando você ouve produções das pessoas daqui, fica bem visível que a gente tem uma noção do que está fazendo, porque estamos com o ouvido treinado desde crianças. É uma bagagem que, para produzir, te diferencia. A apropriação é ruim, mas não tem como evitar. Mas sempre bato na tela de que é preciso respeitar. Por isso a gente fala de certos jeitos, tem certas nomenclaturas e precisamos de certas pessoas para que isso seja, de certa forma, validado. Se a pessoa tem um mínimo de respeito pela nossa cultura, pode fazer um baile funk lá no interior da Dinamarca e está tudo bem.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.