Antes que a Terra Acabe

Antes que a Terra Acabe

Luedji Luna

Acid jazz / MPB | 2025

7.1/10

Jota Wagner
Por Jota Wagner

 

Com um sobrenome desses, Luedji Gomes de Santa Rita não podia dar errado no mundo artístico. Mas a artista decidiu, quando dava seus primeiros passos lá no maluco bairro do Rio Vermelho, em Salvador, transformar-se em Luedji Luna. Distanciou-se de ser “uma nova Rita Lee” para se consolidar no novo disco Antes que a Terra Acabe, lançado de surpresa no último dia 13, como uma Lauryn Hill brasileira. Não por tentar copiar o estilo de cantar da colega estadunidense, ainda bem, mas por compartilhar certa batalha em manter vivo o acid jazz e os urban beats. Tudo o que Hill fez para reinventar a música de seu país e embalá-la em roupas de rua escura e pequenos bares de lá, Luedji Luna anda fazendo com por aqui, modernizando a MPB.

Boa de letra, não há como negar (“vou me que acabar antes que a terra acabe” e “seu ego tem fome de quê?” são versos que provam isso), seu quarto álbum passeia inteiro no carrinho rítmico do breakbeat levinho e groovento do acid jazz, cujo motorzinho, formado por baixo e bateria, dá um impulso delicioso a quase todas as dez canções.

O jazz, grande presente dos Estados Unidos ao planeta — e é bom nos lembrarmos disso em momento da onda de ranço ao país que ainda se pinta como a “polícia do mundo” —, se tornou a base (em fórmula ou modo de vida) de grande parte do que encanta ouvintes até hoje, dezenas de gerações após sua criação. Gerado no sofrimento, o estilo demanda erro através de um gesto incômodo, como aquele beijo inesperadamente estalado no ouvido durante a foda, agulhando a concentração.

João Gilberto, à primeira audição, era taxado como desafinado. “Se soa certo, está certo”, dizia Chet Baker em resposta aos críticos que insistiam em atacar suas semitonadas no trompete ou a insegurança em sua voz. Poucos países conseguiram compreender e fundir sua tradição musical com as lindas desregras do jazz. O mundo árabe, o continente africano e o Brasil são alguns que se deram muito bem nessa missão.

No entanto, no acid jazz (ou nu jazz, urban jazz, sei lá…), muitas vezes os artistas deslizam para o erro do acerto. Ao se deslumbrarem com as tecnologias de estúdio, como o horroroso quantize, as sonoridades eletrônicas e o desejo de soar dançante sem incomodar, o que era jazz vai vestindo uma roupa de restaurante coxinha no Itaim. Em Antes que a Terra Acabe, Alaíde Costa recoloca o disco na rota, rasgando a partitura, na ótima canção Bonita, em que faz participação. O violão do queniano Kato Change também ajuda a nos lembrar o que é jazz. Luedji nos mostra que concorda, e repete a lição de Costa em Outono, última música. As duas canções são as melhores do pacote, justamente quando se descolam do beat urbano dançante.

O disco foi produzido por Arthur Verocai e é recheado de participações especiais em todas as músicas. Seu Jorge, a gringa Rapsody, o português Toty Sa’Med, Zudizilla e muitos mais. Bate bem aos ouvidos e traz uma artista em busca da roupagem cool, casaco que já veste há muito tempo na cena musical brasileira e se mostra bastante confortável. Que siga nesse caminho, até para seus próximos álbuns, sem medo do erro, do rasgo, do torto e do esquisito. Isso é o que lhe trará obras primas inesquecíveis e a distanciará, definitivamente, da armadilha do “chique” e do “sofisticado”, feitos para agradar rico ignorante.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.