
Você sabia? Refrão de “Ragatanga” é paródia com hit do Sugarhill Gang
Sucesso de 2002 do grupo Rouge, canção é na verdade uma versão brasileira de The Ketchup Song, do trio espanhol Las Ketchup
Por Flávio Lerner e Jota Wagner
Lá pelo ano 2002, eu, Jota Wagner, discotecava na festa Colors, no antigo bar THC, em São Paulo, quando três garotas se aproximaram da cabine, prestes a fazer o irritante pedido de música ao DJ. Lá vieram elas, caminhando tequiladamente até a cabine: “Você tem aquela música: ‘sbrók sbrók déum. Son son summer’?”.

Por sorte, eram minimamente afinadas. Se tratava da música Rockafeller Skank, do Fatboy Slim, e o verso que elas adaptavam era “right about now, the funk soul brother…”. O pedido não foi atendido, mas uma lição foi relembrada: o brasileiro tira a onda que for quando quer alguma coisa. E isso não é novo.
Durante os bailes black dos anos 70 e 80, abrasileirar um refrão era algo tão forte, que as gravadoras passaram a colocar, entre parênteses, a gambiarra etimológica depois do título original, para quem estivesse na loja de disco se lembrar do hit tocado na festa. White Witch, de Andrea True Connection, foi vendida como Melô do Caranguejo. Na letra, enquanto a diva da disco music cantava “white witch is gonna get ya”, a galera na pista de dança, sob alto volume e devidamente curtida na birita, ouvia “olha o caranguejo”. Apenas um de centenas de casos em que o título que vendia um disco era a adaptação brasileira.
Nossa soberania interpretativa deu origem a uma das mais singulares teorias da internet, já confirmada. A de que o refrão de Ragatanga, do grupo Rouge, era na verdade um destes mingaus interculturais, ao adaptar os versos de um dos mais importantes hits da primeira geração do rap estadunidense, a incrível Rapper’s Delight, de Sugarhill Gang, de 1979 [que sampleia Good Times, do Chic de Nile Rodgers, mas isso já é outra história]. O insight veio em 2017 do usuário do Twitter @Kueaff, cuja conta hoje encontra-se suspensa.
Antes de mais nada, seria um desrespeito à nossa cultura não transcrever aqui um dos mais profundos devaneios psicodélicos da música brasileira:
“Aserehe ha de he
De hebe tu de hebere seibiunouva
Majabi an de bugui an de güididí”.
O refrão, que mais parece ter saído daqueles cultos neopentecostais em que o pastor finge falar uma língua divina, é uma versão de um grande sucesso, The Ketchup Song, lançado pelo trio espanhol Las Ketchup em seu álbum [prepare-se], Hijas del Tomate. Que tomate é esse que as meninas consumiram, ninguém sabe, mas a letra espanhola traz alguns dicas. Fala sobre um tal Diego, que chega em uma festa com “a lua nas pupilas” e traz no bolso “restos de contrabando” [essa parte foi removida para a versão do Rouge]… sei.
De tão chapado do tal contrabando, o pobre Diego pediu ao DJ sua música favorita — que agora descobrimos que era Rapper’s Delight —, e, sem saber inglês, a cantou do seu jeitinho particular. As filhas do tomate trazem, então, o refrão segundo seu filtro psicotrópico — uma bela estratégia para fugir de um processo por direitos autorais, por sinal. Logo no começo, o rap original tem os seguintes versos:
“Said a hip-hop, the hippie to the hippie
The hip, hip-a-hop and you don’t stop rockin’
To the bang, bang the boogie, say up jump the boogie
To the rhythm of the boogie, the beat”.
Basta ouvir e comparar uma com a outra para perceber a incrível semelhança. Não é por acaso. Quando o produtor das meninas do Rouge ouviu a canção, deve ter se sentido em casa, já que os brasileiros nos bailes fazem isso há décadas! Logo, para um povo que encontra caranguejos em versos gringos, nada os surpreenderia.
Versão confirmada
Embora Las Ketchup não tenham dado entrevistas extensas esclarecendo o refrão, diversos veículos de imprensa na Espanha chancelaram a explicação oficial, que diz que Diego tentou cantar, de fato, Rapper’s Delight. E se ainda sobrava alguma dúvida, Aline Wirley, que foi integrante do Rouge, confirmou a história quando participou do Big Brother Brasil 23:
“Gente, é uma paródia de Rapper’s Delight. É uma música muito antiga!”, contou a sister aos brothers quando perguntada sobre o hit. “Pensa lá na hora, quando chegou a música para a gente [gravar]. A gente ficou assim [cara de confusa]. Foi a última música a entrar no disco. A gente falou: ‘Meu Deus, isso não é bom’.”
E assim nasceu Ragatanga, um dos maiores sucessos brasileiros dos anos 2000.
