
“Vinny é o maior ‘one hit wonder’ brasileiro”: Braulio Lorentz fala sobre novo livro
Jota Wagner conversa com o jornalista e autor de Baseado em Hits Reais — obra em financiamento coletivo
Baseado em Hits Reais – Histórias de Sucessos Inesquecíveis Contadas por Artistas Esquecidos, livro de Braulio Lorentz, editor de cultura do G1, traz mais de 40 entrevistas com aqueles artistas que conhecemos por um só sucesso. O seleto grupo tem até nome no meio jornalístico, os one hit wonders.

Editada pela Máquina de Livros, a obra se encontra em financiamento coletivo até este domingo, 18 — e já arrecadou 90% da meta, então corra para colaborar e conseguir o seu com desconto. Lorentz falou com artistas como Hoobastank, DJ Bobo, Vanessa Carlton, KT Tunstall, Counting Crows, Natalie Imbruglia e Lou Bega, para saber como eles se sentem em relação ao fato de serem lembrados por… uma só música que todo mundo conhece!
Jota Wagner: Tenho a impressão que você tem uma relação bastante pessoal com os one hit wonders…
Braulio Lorentz: Sempre gostei muito de one, two, three hit wonders. Porque eu, como jornalista, percebi que pessoas que contam bem histórias são aquelas que não estão mais fazendo parte delas. O “ex” não tem nada a perder, tem algo a dizer que ninguém queria ouvir. E essa pegada surge na música também. O artista não tem mais o que perder, não tem mais media training, gravadora no pé… Está com a vida ganha e vai falar tudo. Uma coisa que une todas as entrevistas que selecionei tem muito desse desapego. O projeto é, também, algo pessoal. Virou meio que um hobby de pandemia.
Como é o sentimento geral desses artistas? Ranço, negação, orgulho por ter feito pelo menos um hit…?
No geral, todos têm um pouco de ranço. Uns menos, outro mais. Uma coisa natural é gostar menos do que fez mais sucesso, de falar este não é “o verdadeiro eu”. Tem também a coisa de ser incompreendido. Muitos outros têm uma resposta pronta para falar de seu único hit, como o Daniel Powter, da música Bad Day. Ele me deu uma resposta e ficou esperando minha reação: “A quem diz que eu sou um one hit wonder, mostro minha conta bancária. Ela me faz tranquilo com esse termo”.

A capa de “Baseado em Hits Reais”. Imagem: Divulgação
Os caras ganharam muito dinheiro. Então, fica esse misto de ranço e trauma — tem muito. Eles contam que fizeram seu hit quando eram jovens, e depois criaram muitas outras coisas. Mas, quando peço a eles para escolher uma música que os represente, alguns ainda assim respondem que é o hit. Não é a maioria, no entanto.
Há uma depressão também em ser obrigado a passar a vida toda tocando a mesma música…
A maioria ainda toca. Tem gente no livro que já parou de fazer shows. Quem continua, acaba tocando sempre seu hit, alguns de forma ensaiada, outros “de verdade”. Algo como: “estou tocando pela enésima vez, mas muita gente a está ouvindo pela primeira”. E tem a coisa de ser a música que as pessoas querem ouvir. Então muitos mudam arranjos, outros simplesmente deixam pra galera cantar, como a Alanis Morissette em Ironic. Ela não está no livro, mas literalmente odeia a música. Ela diz isso em entrevistas. Então ela canta ali 40% no show e deixa o resto para o público.
E tem no livro casos de orgulho, de amor pelo seu único hit?
O cara do Semisonic, da música Closing Time, nitidamente ama. Ele quer a música em sua lápide. Ele virou hitmaker para outra cantoras. Fez Someone Like You, para a Adele, que lhe deu muito mais dinheiro. Há uma história por trás. Ele lançou a música para quando a filha estava internada, devido a um parto complicado. Quando ele estava na ambulância, levando a filha para casa, a música começou a tocar na rádio. “Yeah, I know who I want to take me home…” [“sim, eu sei quem eu quero que me leve para a casa”]. O motorista da ambulância o reconheceu e associou a letra com o fato de estarem ambos levando a garota para casa. Um história muito bonita. Para ele, não existe nenhum ranço.
Em seu livro, cada capítulo trata de um hit, com uma entrevista com o autor?
São mais de 40, e eu ainda não estou na versão final!
Alguém não topou falar sobre o assunto?
Todo mundo topa. Quando fiz os pedidos de muitas das entrevistas, não tinha a ideia do livro. Era algo para falar da carreira. Todo mundo estava disposto a falar, e também divulgar o que está fazendo na vida. A maioria das entrevistas é grande, e o hit tomou 15%, 20% do tempo da conversa. As pessoas também acabam se soltando…
Alguém já fez o que você está fazendo? Falar de one hit wonders é comum, mas com entrevistas….
Há poucos livros de música pop no Brasil. Há muitos da MPB. Ainda não fiz uma pesquisa muito aprofundada lá fora, mas aqui não há.
Há algum recorte de tempo no livro?
Tentei tirar um pouco dos anos 80 e fazer mais 90 e 2000. Alguns entraram, claro, porque as entrevistas são boas. Então diria que o recorte é desde os anos 80 até os dias atuais.
Vivemos um mundo de transformação da cultura de álbuns para singles. Isso vai favorecer o surgimento de um exército de one hit wonders?
Eu acho que as coisas são cíclicas. Há quem diga que o álbum está voltando, que ainda há a importância de contar uma história e os artistas estão, justamente, mostrando que não são one hit wonders. Acho que os artistas e as pessoas querem mais conceito, e acho que as pessoas hoje têm mais tempo para ouvir música graças ao Spotify, Deezer, etc. Já rolou esse papo de que o álbum ia acabar e tal, mas acho que há uma questão de afirmação dos artistas.
É mais fácil acabar o videoclipe do que o álbum.
Você deve ter visto um recorte do Chumbawamba tocando uma música antifacista, The Day The Nazi Died, mais velhos, em um show lotado de gente. Você não acha que somos muito cruéis com os artistas, ao ficarmos presos só naquilo que um dia foi um hit?
Sim! A gente esquece das coisas muito rápido e o brasileiro, mais ainda. Aqui — e em São Paulo, principalmente —, você é obrigado a estar trabalhando. Julgamos quem decide dar uma parada. A KT Tunstall, de Suddenly I See, fala sobre isso no livro. Seu primeiro disco vendeu seis milhões de cópias, e se esperava que não chegasse a cem mil. O segundo, vendeu um milhão, mas aí a expectativa era que vendesse outros seis. Se o disco de estreia tivesse vendido menos, ela não teria a pressão para continuar vendendo tanto no segundo. E todo mundo ainda pergunta para ela o que ela anda fazendo, sendo que segue tocando, tem outras músicas ouvidas, faz trilhas de filmes… Somos muito perversos nisso.
Estatisticamente, os grandes hits são feitos no começo da carreira do artista?
Não, tem todo tipo de caso. Quando o Hoobastank fez The Reason, já tinha outros quatro discos lançados. Virou música de casamento!
Tem muito isso, né? Hits solitários que viram trilha de casamentos…
É porque tem muita balada romântica. The Reason é uma delas. E é uma balada que toca desde rádios como Antena 1 até estações de rock. O Hoobastank já tinha dez anos de banda e um monte de discos, eram respeitados no meio pop e hard-rock. Eles tinham uma levada mais Red Hot Chili Peppers ou Incubus, mas aí colocaram uma balada no meio do disco e a gravadora usou como música de trabalho sem eles quererem. Eles lutaram para que isso não acontecesse, pois a a música não os representava.
Quais são seus one hit wonders prediletos?
Fui atrás do meus prediletos. OMC, de How Bizarre, é o único que não consegui porque ele já havia morrido. Mas consegui falar com o produtor e foi uma das melhores entrevistas. Um neozelandês que não conseguia nem mexer no Zoom. Para mim, é o hit mais imporovável da história. Chegou ao Top 1 nos EUA. É uma música doida, feita por um indígena, com um trompete de mariachi, um violãozinho de cordas de náilon comprado por dez dólares em um brechó. Ganharam mais de cinco milhões só no começo da música.
A outra é Chumbawamba, com Tubthumping. Fizeram um hit para se infiltrar na música pop, porque eles queriam falar sobre um protesto operário, de ter o direito de beber no fim do expediente, de ficar “knocked down” [“caídos de bêbados”]. Ganharam muito dinheiro, venderam para anúncio de carro e doaram o dinheiro para ONGs em favor do transporte público. Se a licença fosse para algum empreendimento imobiliário, a grana ia para uma ONG contra gentrificação, e por aí vai. Eram uma célula antissistema dentro do sistema. Roubaram os próprios instrumentos para montar a banda, e quando ganharam uma grana voltaram à loja para pagá-los.
E colocando um representante nacional na lista, Heloisa, mexe a cadeira, do Vinny. Ele é o maior one hit wonder brasileiro. É formado em psicanálise, estudou filosofia. Ganhou muito dinheiro, tem vários apartamentos que hoje administra como Airbnb.
O que este livro representa para você?
É o meu trabalho: falar com gente que faz sucesso e explicar fenômenos culturais. Um recorte do meu trabalho, pelo menos. Algo que fiz há mais de 20 anos. One hit wonders são personalidades muito interessantes. Esse é o processo do meu tempo livre. Agora está em crowdfunding, que para mim é um processo muito Black Mirror. Você se sente meio influencer, meio que se vendendo, toda essa coisa do marketing… Mas vai ser meu batismo de sangue no mercado. Quem sabe não viro um one book wonder?