DJ Glen Foto: Divulgação

DJ Glen: “O brasileiro gosta mais do drop do que qualquer outro”

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Com mais de 25 anos de carreira, DJ paulista celebrado nos Estados Unidos fala sobre o grande momento da música eletrônica nacional

DJ Glen recebe o Music Non Stop para esta conversa logo após ter passeado pelos mares do Caribe tocando na Brazilian Wave, pool party que criou dentro do Friendship Cruise, uma embarcação com música eletrônica como temática que recebeu nomes como Disclosure, Duck Sauce e Armand Van Helden.

O artista tem muito para ensinar aos estadunidenses sobre o Brasil (atualmente na crista da onda, quando o assunto é música eletrônica), e justamente por isso faz parte da família da gravadora estadunidense Dirtybird, uma das mais importantes do cenário.

No cruzeiro, fez a curadoria da pista apresentando produtores brasileiros a um público ávido pelo que está acontecendo por aqui. O DJ é cria das raves paulistanas da década de 90 e, ao contrário de muita gente que começou com ele, não teve medo de avançar as linhas do que separavam os ditos universos do “underground” e do “comercial”.

E é sobre essa travessia que o DJ Glen conversa conosco, falando sobre a imagem do país e seus profissionais lá fora, o início da carreira, o processo de criação e a rotina de quem, seja fazendo ou ensinando a fazer, mais contribui para o desenvolvimento do cenário eletrônico brazuca. Vem com a gente!

DJ Glen

DJ Glen no Friendship Cruise 2025. Foto: Divulgação

Jota Wagner: Como rolou sua ligação com a Dirtybird?

DJ Glen: É uma relação longa pra caramba. Entre 2000 e 2015 eu tocava apenas em vinil. Um momento bem prazeroso, quando haviam menos labels. Conheci a Dirtybird já nos seus primeiros releases. Ainda era bem pequena, mas o som era muito bom.

Era um daqueles que a gente comprava o disco só pelo selo, sem precisar nem saber quem era o artista…

Exatamente. Essa era a parte boa, e era assim que rolavam minhas pesquisas musicais. Vi que a música deles ia muito bem no Brasil. Fui conhecendo os artistas, mas até então, eu era o DJ que comprava as músicas da Dirtybird. Quando fui para o México, no BPM Festival, uma das minhas músicas estava bombada, a Boogie Mafioso.

Fui pra lá para tocar nos afters, e daí conheci os caras do selo pessoalmente. Conheci o Justin Martin, um dos melhores DJs que já vi na minha vida, e voltei impressionado. Havia acabado de entrar para a agência Entourage, em 2013. Então virei para o Guga [Trevisani] e o Marcelo [Arditti, sócios da Entourage] e falei: “mano, vocês têm que trazer o Justin Martin pra cá!”.

Nesse momento, todos ali já conheciam minha música, eu já tinha amizade com os caras e eles curtiam o meu som, mas eu nunca achei que pudesse ser lançado por eles. Aí a Nana [Torres, DJ como o marido] me “obrigou” a mandar uma demo. Em 2017, lançaram minha música em uma compilação. Depois veio um EP, meu som virou o tema do festival, o Dirtybird Campout. O primeiro festival que toquei deles foi em 2018. O selo e os caras ficaram muito grandes no Brasil, a ponto de eles me contarem que recebem mais demos de produtores do Brasil do que de qualquer outro lugar do mundo.

Você tem aquele pensamento de produzir uma música pensando no selo em que quer lançar?

Geralmente isso me trava. Mas a música que eu fiz para a Dirtybird, eu fiz para a Dirtybird. É que quando você pensa assim, acaba se focando no passado, sabe? E o label sempre quer o futuro. Quando um selo te pede demos, quer coisa que nem eles ainda sabem o que é. Imagina, se o dono do selo é um dos maiores produtores do mundo, ele pode pensar: “se eu soubesse o que eu quero, eu mesmo faria”.

Em collab com Bruno Furlan, Another Planet é um dos maiores sucessos do DJ Glen pela Dirtybird

Como você vê o momento atual da produção brasileira de música eletrônica?

O melhor de todos. Sempre tivemos Gui Boratto, Renato Cohen, os caras que fazem o corre desde os anos 2000, fazendo uma alta sonzeira. Mas eles eram meio que umas ilhas. Eu os sentia isolados. Hoje tem um grupo, uma equipe, da que eu me considero parte.

Temos que entender que a música eletrônica dominou o Brasil em um momento mais tardio. Acabou vindo direto pela coisa mais mainstream, aquele EDM apelativo. Sempre fui um cara que dava a cara a tapa para entrar nos festivais mais comerciais e mesmo assim mandar o meu som. Os DJs e produtores lembram disso e há um respeito bem legal comigo.

Nós já temos uma identidade brasileira na música eletrônica?

Temos, sim. O brasileiro gosta mais de drop do que qualquer outro lugar no mundo. E eu tenho uma relação na minha cabeça de que é por causa do futebol. Sabe a coisa do momento do gol? E assim como em uma goleada, em que a torcida já não comemora mais do mesmo jeito depois do quarto, ou quinto gol, o drop também enjoa.

A pista que você tocou no Friendship Cruise se chamou Brazilian Wave…

O Brasil está em alta em muitas coisas, não só na música. Percebo isso desde que a gente saiu da pandemia. Antes, o pessoal, quando sabia que você era brasileiro, te olhava com dó. Hoje em dia é o contrário. A galera tem admiração. O Brasil está bombando. Também acho que os produtores evoluíram muito aqui. Tivemos várias safras de bons produtores.

No Friendship Cruise, a pira era o Brasil mesmo. As pessoas foram vestidas com as cores do Brasil. Todos os DJs tocavam alguma coisa de Brasil como tema. Às vezes um vocal em português, ou uma batida funk. Tinha set inteiro com influência de funk e, quando você ia ver, era o Boys Noize. Não sei se foi um direção do dono do navio, mas estava assim.

E você, como um DJ brasileiro, como lida com isso?

Boa pergunta. Durante o set, eu pensei assim: “cara, já que está tudo esterotipado, por que não mostrar o Brasil de verdade?”. O que estava rolando era uma coisa meio Carmen Miranda. Então fiz um som que misturava samba e tech house, muito bom, e também procurei fazer sessões ouvindo muita demo de brasileiros, para só tocar música daqui.

DJ Glen

DJ Glen no Dirtybird Campout 2025. Foto: Divulgação

Meu som tem a cara do Brasil, sem precisar de um pandeiro.

O nome da pista Brazilian Wave e o line-up foram criados por você?

Sim. Pensei em levar Vintage Culture, Mochakk, mas pô, tem caras que tenho mais proximidade. Além disso, sabia que o dono do evento gostava de novidades também. Levei parceiros como Illusionize, Beltran, um pessoal que está voando.

Quase todos os DJs internacionais ovacionam o público brasileiro. Os elogios são reais mesmo, ou é puxação de saco?

Cara, acontece com DJ famoso. Vários DJs do underground vêm pra cá, reclamam pra caramba e nunca mais voltam. E o brasileiro gosta mesmo de quem é mais conhecido, que manda um som reto, sem o tal do drop. Aliás, são esses os meus amigos gringos. O Snake, por exemplo, não foi embora falando muito bem do público brasileiro não. É um contraponto.

Eu queria saber um pouco da sua história. Como é que tudo começou?

Meu irmão era DJ nos anos 90. Aprendi a tocar com ele. Aprendi o amor pela música. Na adolescência, precisando de um trampo, fui fazer festa de 15 anos, casamento. Era DJ de festinha. Para descolar o dinheiro para comprar meu equipamento, comprei um gravador de CDs, colocava meu nome, “DJ Glen”, e vendia em postos de gasolina, até conseguir comprar meu primeiro soundsystem.

Aí peguei a manha para de fazer edições, remixes. Fazia abertura para grupos de dança, etc. Percebi que eu conseguia fazer música. Então comecei a colocar as minhas músicas nos CDs que eu gravava. Fui aprendendo a tocar, fazendo dessa forma, até ir na primeira rave, vi o Camilo Rocha tocando. Pensei, “quero ser que nem o Camilo”. Então, comecei a tocar techno e electro, som que levo até hoje. Sempre fui desse lado mais urbano das raves, e o engraçado é que foi nas festas de psytrance onde eu mais tocava. Um som que a galera nunca tinha ouvido.

Qual a importância das raves na sua formação?

Eram dois mundos diferentes. Um é o corporativo, mais formal, em que o DJ é tratado como um funcionário. Quando descobri esse outro lado, artístico, independente, foi exatamente nas raves. Foi o que me deu essa liberdade. Ajudou também na minha percepção de comercial e underground. Se tem muito dinheiro envolvido, é comércio. Grandes festivais e grandes marcas vão exigir que você traga algum resultado, se vai fazer virar o investimento. Rave não tinha isso. O pessoal fazia porque amava, dando lucro ou não. Era essa resistência, e acho que tem a ver comigo. É minha origem. Ali era onde eu me sentia bem.

Foi mais ou menos isso que me deu autoconfiança de desenvolver o lado mais artístico. De falar: “sou um artista, posso fazer o que eu quiser”. Quando fui eu mesmo, de verdade, a ponto de gravar minha própria voz, fazer meu som do zero, foi quando as gravadoras mais comerciais me quiseram. E eu não tenho problema nenhum com o comercial, porque eu sou de verdade também no comercial. Se alguém ganhar dinheiro comigo, sou feliz do mesmo jeito.

Um garoto que está começando a produzir agora consegue construir uma carreira sem um bom investimento financeiro?

É uma boa pergunta. Na pandemia, comecei a fazer umas mentorias particulares para artistas. Gosto muito de conversar com a galera que está começando, isso me faz muito bem. Uma vez por semana, convivo com essas pessoas, tento ajudar nos dramas do começo da carreira. Mas é possível, sim. É que agora tudo é muito concorrido. Tem muita gente produzindo.

A média de alunos em um curso meu é de 50 a 100 pessoas online, por semana. Teremos muitos produtores bons, mas não haverá espaço para todos. E não basta só fazer música. É um universo que você tem de gerenciar.

Brava, collab com Vintage Culture, foi lançada em dezembro de 2024

É preciso ter uma capacidade de se relacionar com as pessoas de uma forma sincera…

Esse lance da amizade, do relacionamento fora da música, é o que sustenta. A Dirtybird já foi vendida, tem um outro diretor geral lá dentro, e sigo tendo uma boa relação com todos, sigo parte da família. É importante entender como tudo funciona ali, além da música. É um negócio, complexo e interessante ao mesmo tempo.  Eu não sou americano, e já estou com eles há quatro acampamentos, mais o evento da Space, em Miami, e vários outros, em uma época em que era difícil para um brasileiro entrar no mercado dos Estados Unidos.

Como você lida com a ansiedade e a expectativa sobre o futuro?

Cara, é muito louco. Um problema de toda uma geração, né? Focar em viver o dia é essencial para não ficar maluco. Gosto de ficar em estúdio, gosto de música nova. Mas tenho um planejamento para me manter focado. Afinal, a música que você está produzindo agora vai ser lançada daqui uns dois anos. Tenho um planejamento de base, mas também tem a coisa da liberdade de criação.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.