Há 45 anos, os Ramones lançavam seu álbum mais diferentão
Sob a chefia do idiossincrático Phil Spector, os bastidores de End of the Century se tornaram um pesadelo para o quarteto nova-iorquino
Há 45 anos, o resultado de um lindo sonho delirante que acabou se tornando uma espécie de pesadelo infernal chegava às lojas. End of the Century, o quinto álbum dos Ramones, veio ao mundo no dia 04 de fevereiro de 1980. Um disco que reúne algumas das mais doidas histórias do rock’n’roll. Nada surpreendente quando entre os envolvidos está Phil Spector, um produtor genial que foi capaz de fazer com que um disco de Natal se tornasse um dos maiores álbuns da história da música, e que acabou envolvido na morte de uma namorada, encontrada sem vida em sua mansão por uma das dezenas de armas que mantinha como colecionador.
Os nova-iorquinos Ramones trazem consigo uma história tão única quanto sua música. Capazes de ajudar a inventar a sonoridade do punk rock, conviviam com um imenso talento e uma falta de autoestima que beirava à sabotagem. E no final dos anos 70, resolveram deixar de lado uma sonoridade que tinha feito o mundo tremer para entrar uma década correndo atrás de novas tendências, como o pós-punk, a new wave e o pop, levando o grupo a uma montanha-russa de erros e acertos que quase os levou ao ostracismo — não fosse a mão salvadora de Eddie Vedder, que lutou por eles quando estavam quase completamente esquecidos em festivais e grandes eventos no mundo.
“Os Ramones deveriam ser grandes no mundo, como foram no Brasil”, afirmou certa vez. A Argentina também foi um porto seguro de fãs da banda, que foi perdendo credibilidade justamente pela falta de fé em seu próprio conceito.
Naquela época, a meteórica carreira do quarteto passou a ser acoçada pelo delusion of grandeur vindo de seus empresários e gravadora, que achavam que eles tinham potencial para deixar para trás o nicho punk rock e se tornar uma grande atração pop. Como parte da estratégia, lançaram o surreal filme Rock’n’Roll High School, dirigido pelo diretor Roger Corman, com uma história que tentava transformar os quatro maltrapilhos de beleza, digamos, exótica, em símbolos sexuais. A segunda perna do plano para conquistar o mundo era transformar seu quinto álbum em um sucesso popular.
Quando os Ramones e a Sire Records convidaram Phil Spector para produzir o disco, a ideia soava como um presente divino. O produtor já havia trabalhado com os Beatles e no solo de John Lennon, artistas que os quatro amavam. Havia lançado as Ronettes, grupo feminino vocal que, tirando a velocidade e o peso das guitarras, é uma baita influência em seus primeiros discos. Como músico de apoio, Spector chamou o tecladista Barry Goldberg, que havia gravado com Hendrix, Bob Dylan e Leonard Cohen. Para os quatro garotos de Nova Iorque, era um sonho se tornando realidade. Para Spector, era uma espécie de desafio que mostraria ao mundo toda a sua genialidade: transformar quatro músicos que mal sabiam os nomes das notas musicais em ícones pop.
Mal começaram a trabalhar juntos no estúdio Gold Star, em Los Angeles, e o caldo já começou a entornar. Era uma colisão de planetas. Um grupo que conquistou o coração das pessoas pela imperfeição, passando como um trator por cima das convenções técnicas, foi bater de frente com um dos produtores mais perfeccionistas do planeta. “Phil sentava no estúdio, colocava o fone de ouvido e mandava o Marky [Ramone] tocar apenas uma peça da bateria por horas e horas e horas”, contou Dee Dee Ramone em sua biografia.
Não parava por aí. Spector obrigava a banda a trabalhar 14 horas por dia no estúdio. Fazia Johnny Ramone gravar centenas de vez a mesma frase de guitarra para fazer seus overdubs, e o negócio foi ficando insuportável. O produtor achava a banda preguiçosa. E os Ramones começaram a ver o chefe de estúdio como um lunático.
Muita coisa na biografia dos Ramones tem várias versões. Histórias diferentes contadas por cada integrante do grupo e pelo pessoal de sua equipe. No que diz respeito ao caos que envolveu End of the Century, no entanto, a coisa é unânime: gravar o disco foi um inferno para eles.
Spector gostava de andar sempre com uma arma em punho. A colocava em cima da mesa de mixagem enquanto berrava: “vocês não vão foder com este disco”. Quando a coisa parecia não andar (para os padrões spectorianos), chamou Joey Ramone para uma reunião particular em sua mansão. Preocupados com o vocalista que estava há três horas na casa do doidão (Spector vivia sua lua de mel com a cocaína), pegaram um taxi e foram em seu resgate. O produtor abriu a porta com um de seus revólveres em punho e mandou todo mundo para a sala do piano. “O cara fez a gente escutar ele tocando Baby, I Love You repetidamente até as quatro e meia da manhã”, contou Dee Dee. A tensão foi tanta que Johnny comprou uma passagem de avião para Nova Iorque e fugiu para casa. Marky e Dee Dee estavam prestes a fazer a mesma coisa, mas foram impedidos por Phil Spector. Que ambiente de trabalho gostoso!
A gravadora e os Ramones queriam um álbum que os catapultasse para o nível pop em suas carreiras. Phil Spector era um criador de hits. Inventou o sistema de mixagem chamado de Wall of Sound, responsável por fazer o som bater amplificado nos radinhos, lhe rendendo uma baita fama. De certa forma, o cara entregou: End of the Century foi o disco que melhor ranqueou nos charts estadunidenses, chegando em 44º lugar no Top 100. Ao mesmo tempo, jogou a banda em uma pista de patinação no gelo. Uns chamavam de manobra, outros de escorregão mesmo.
No que diz respeito às composições, os Ramones estavam lá. Do You Remember Rock’n’Roll Radio?, Danny Says, I Can’t Make It On Time, tudo sublime, incluindo o melhor cover que o grupo já fez — para Chinese Rocks, de Johnny Thunders. E ao contrário do que muita gente pensa, foram os Ramones que pediram pra gravar Baby, I Love You, baladinha das Ronetttes composta por Phil Spector, e não uma imposição do produtor. Phil, por sinal, queria que o grupo gravasse em vez disso (The Best Part Of) Breakin’ Up. Segundo Johnny, o grupo bateu o pé, para mais tarde reconhecer que a decisão não foi das melhores, “por se distanciar muito do som dos Ramones”.
E por tão diferente, além de sua história caótica, End of the Century segue sendo um álbum amado pelos fãs. Todo disco de vinil tem seu lado A e lado B. Coragem e frustração, expectativa e realidade, amor e ódio… Pop rock e punk rock!