Meshell Ndegeocello Foto: Reprodução

Jazz, rap, reggae e androginia: Meshell Ndegeocello é um dos destaques do C6 Fest 2025

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Saiba mais sobre a talentosa musicista alemã/americana que já colaborou com nomes como Madonna, Rolling Stones e Alanis Morissette

Quem estiver no C6 Fest 2025 vai se surpreender ao ver o show de Meshell Ndegeocello. Uma mistura de androginia, hip-hop, reggae e, principalmente, a essência do jazz estadunidense. Michelle Lynn Johnson (seu nome de registro) nasceu na Alemanha, filha de um major do exército americano em missão por lá. O amor pelo jazz veio do pai, saxofonista amador. Voltou para o país natal dos pais ainda criança e cresceu em Washington, terra em que mergulhou no cenário jazz da cidade e estudou no Duke Ellington Institute. Ndegeocello, nome fácil de pronunciar e escrever, foi adaptado pela artista já no meio de sua carreira artística (é possível encontrar bons trabalhos dela assinando como Meshell Suhaila Bashir-Shakur). Trata-se da tradução bantu para “livre como um pássaro”.

Ndegeocello não vem ao C6 Fest à toa. É um prodígio. Após participar de diversas bandas do cenário jazz de Washington, partiu em voo solo no final dos anos 80, passarinho que é, para colecionar feitos impressionantes na carreira. Foi uma das primeiras artistas a assinar com a gravadora Maverick Records. Um dueto que gravou ao lado de John Mellencamp para uma reinterpretação da música Wild Night, de Van Morrison, chegou ao 3º lugar do ranking da Billboard em seu país. E a colaboração com o mestre Herbie Hancock para um disco da organização Red Hot, com fundos destinados ao combate da AIDS em comunidades afro-americanas, ajudou a coletânea a levar o prêmio de álbum do ano pela revista Time, em 1994. Seu LP do ano passado, The Omnichord Real Book, foi premiado com o Grammy de melhor álbum de jazz alternativo. Nele, Meshell executa de forma brilhante uma pasta de partituras que lhe foi presenteada pelo pai.

A união de talento incomum, uma senhora voz e sua luta contra o preconceito de gêneros levou Meshell a gravar com barões como Madonna, Chaka Khan, Rolling Stones, Basement Jaxx e Alanis Morissette, dentre uma porção e outros artistas. Em muitos deles tocando contrabaixo, seu instrumento mais querido.

De 1993 até hoje, Ndegeocello coleciona 14 álbuns de estúdio, contando apenas os de sua carreira solo. No mais recente (2024), revisita a música gospel em No More Water: The Gospel of James Baldwin, pelo selo Blue Note. Deliciosamente moderno, com altas cargas de acid jazz.

No disco aclamado pela crítica, a baixista transforma em música poesias do escritor e ativista pelos direitos dos negros estadunidenses, James Baldwin. Um cara que andava acompanhado de Louis Armstrong, Nina Simone e Ray Charles, e entendia como a música poderia ser a mais potente arma para a promoção dos direitos civis em seu país. “É somente através da música, que os americanos são capazes de admirar graças a uma redoma protetora de sentimentalismo, que o negro pode contar a sua história”, escreveu Baldwin.

O álbum nos mostra a quantidade de camadas que o trabalho de Meshell Ndegeocello atravessa ao longo de sua carreira: o racismo e o amor à família são apenas alguns deles. Sua complexidade também se reflete na música. A artista transita, absolutamente tranquila, na maioria das escolas da música negra de seu país. Usando o jazz como tronco, passeia pelo soul, pelo rap e o funk, tudo emaranhado de uma forma que torna difícil carimbar qualquer rótulo em sua sonoridade.

Em maio, os brasileiros terão oportunidade de testemunhar, filtrado pelas cordas de um contrabaixo, um verdadeiro estudo antropológico da música dos Estados Unidos. Se para muitos cada gênero musical é um condomínio fechado por muros, cujas visitas demandam a devida autorização na portaria, no mundo de Meshell a música é um bairro miscigenado, cheio de gente nas ruas, batendo papo na calçada e dividindo boas e más notícias locais. Transferindo a metáfora para uma geografia mais compreensível aos paulistanos, se o Centro Histórico de São Paulo fosse música, seria a de Meshell Ndegeocello, com seus cruzamentos de culturas, de roupas, de música e de histórias.

Meshell Ndegeocello toca e canta na sexta-feira, dia 23 de maio, no Auditório Ibirapuera, durante o “lado jazz” do festival, com shows em ambientes fechados. A noite ainda recebe Brian Blade & The Fellowship Band e Kassa Overall. Se você quiser se dar o presente de vê-la, é preciso correr. Há pouquíssimos ingressos disponíveis. Para conferir, acesse o site oficial de vendas do C6 Fest.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.