Catálogo Queen. Foto: Reprodução

Por que tantos artistas estão vendendo toda a sua obra?

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Com venda encaminhada para a Sony Music, o Queen está prestes a bater o recorde de catálogo mais valioso da história da música

Os integrantes do Queen estão prestes a bater um recorde na história da música, agora que estão vendendo os direitos de todo o seu catálogo por 1,27 bilhão de dólares (sete bilhões de reais) para a Sony Music. O valor do estrondoso boleto rivaliza com a venda do catálogo de Michael Jackson, cujos detentores faturaram três bilhões de reais, mas por apenas 50% dos direitos.

A transação faz parte de um movimento que tem se tornado cada vez mais comum no mundo da música. Grandes artistas estão abrindo mão da própria obra, ou de parte dela, em troca de uma conta bancária recheada de doletas, daquelas que te fazem não precisar subir em um palco nunca mais na vida.

Além do Queen e de Michael, nomes como Bob Dylan, Katy Perry, David Bowie, Sting, Phil Collins e Bruce Springsteen, entre vários outros, já desapegaram daquilo que os fez escrever seu nome na história da música: suas composições. Mas o que é que está dando na cabeça desse pessoal, que simplesmente está entregando para grandes corporações e fundos de investimento a expressão de suas almas? Bem, sem firulas ou romantismos, a resposta é aquela mesmo que você já pensou: dinheiro e sossego.

Toda vez que uma música é tocada em qualquer plataforma digital ou rede social, os detentores dos direitos autorais recebem uns centavinhos. O mesmo vale para discos de vinil ou CDs vendidos. Isso vigora por cerca de cem anos desde o momento em que a música é oficialmente lançada (varia um pouco de um país para outro). Depois disso, ela entra em domínio público, ou seja, é propriedade da humanidade. Qualquer um pode fazer o que quiser com ela, sem pedir autorização ou pagar direitos.

Com o fim da venda dos formatos físicos, em que havia uma possibilidade de controle mais centralizada, administrar esses recebimentos virou uma tarefa cabeluda. O grosso da arrecadação ficou na mão das big-techs, como Google, Meta e Spotify, que fizeram com que artistas e seus representantes, por mais famosos que sejam, não tenham nenhum poder de negociação com os tubarões. A solução, então, é vender tudo para outros tubarões, as grandes gravadoras, que ao reunir um catálogo com os maiores astros da história da música, ganham musculatura para a trocação de tapas que tem rolado entre os serviços de música e os vendedores de música.

Além de se livrar da dor de cabeça, os músicos têm a oportunidade de ver cair na conta um valor que levariam décadas para receber, de uma vez só. Para comprar aquela casa na praia, pagar aquela pensão atrasada ou amarrar o burro na sombra, definitivamente. A moda ganhou força a partir de 2020, justamente quando a pandemia acabou com a fonte de renda de muita gente.

O negócio é calculado na base do investimento. As empresas pagam à vista por um direito que vão receber picadinho, a partir dos próximos plays e vendas, até que a obra entre em domínio público, visando um gordo lucro. Artistas podem vender uma música, um álbum ou até mesmo metade de todo o catálogo, que foi o caso da obra de Michael Jackson. Para cada 1 real recebido a partir de agora, 50 centavos vão para os herdeiros de Michael e 50 para a empresa que o adquiriu. Vale lembrar que as negociações valem para as obras que já foram lançadas. O próximo disco do Bruce Springsteen, por exemplo, seguirá sendo propriedade do Boss, a não ser que ele decida vendê-lo.

Existe também (embora em menor número) o movimento contrário, dos artistas que mudaram de ideia e compraram de volta o próprio catálogo. Taylor Swift, Dua Lipa e Jay-Z fazem parte deste time, buscando reaver o controle do que estava sendo feito com suas músicas.

Não se sabe como ficará a vida dos novos artistas, os independentes ou aqueles que nunca chegaram a ter uma base de fãs tamanha, que os permita entrar no jogo de tais negociações. Enquanto a roda-viva gira, espere ver cada vez mais músicos negociando seus catálogos por valores vultosos.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.