Governo dá isenção de impostos no setor cultural para recuperar o prejuízo da pandemia. Mas se esquece dos pequenos
Setor cultural, de entretenimento e hotelaria recebem uma forcinha do governo para recuperar as perdas da pandemia. Mas muitas empresas ficarão de fora
“Primeiro a parar e último a voltar”, o setor cultural e de entretimento foi o mais afetado durante a pandemia do Covid19. Empresários do setor tiveram de lidar, de surpresa, com um verdadeiro caos em suas contas. Além da proibição de eventos, as empresas tiveram de administrar a sobrevivência de seu núcleo de funcionários.
A retomada foi forte. O país viu uma explosão em números de festivais, com resposta direto do público. Mas o aquecimento teve seu preço. Em entrevista ao Music Non Stop, Caio Taborda (criador do festival Gop Tun) e Paulo Tessuto (Capslock), apontaram aumento da ordem de 40% nos custos dos eventos no pós pandemia, ocasionados tanto pela alta do dólar, quanto pela oferta e demanda dos insumos e estrutura de produção. Pesquisa da PwC Brasil estima que o setor de entretenimento cresça 5,7% nos próximos cinco anos. É importante ressaltar que a receita dos “produtos digitais” também entra na conta.
A receita federal acaba de divulgar um programa de renúncia fiscal dedicada ao setor cultural, de entretimento e hotelaria, como forma de auxiliar as empresas a recuperar seus prejuízos e colocar as contas em dia. No total, cinco impostos deixarão de ser pagos pelo setor: IRPJ, a CSLL, o PIS e a Cofins, que terão alíquota zero.
Para isso, é necessário que as empresas de médio e grande porte façam a adesão ao programa PERSE até o final de dezembro. Micro e pequenos empresários, adeptos do regime de tributação Simples, não terão direito ao programa, o que gera discussões. Afinal, os pequenos tiveram tantos prejuízos quanto as demais, e com menor capacidade de crédito e dinheiro em caixa.
Ainda não há dados absolutos sobre o valor do incentivo às empresas. Rossiana Nicolodi, especialista em direito tributário pela PUC/SP, membro do Comitê Permanente de Transação Tributária da ABAT e advogada do Natal e Manssur Advogados, explica a estivmativa é que o programa PERSE beneficie mais de 52 setores da economia. Todavia, os dados divulgados pelo Congresso Nacional estimam que as contribuições em impostos das empresas do setor de eventos em 2019 foi de cerca de 49 bilhões, enquanto o prejuízo médio das empresas apenas para os dois primeiros meses de 2020 foi de 80 bilhões, sem contar o impacto na geração de empregos. A ideia do Congresso Nacional ao criar o benefício é fazer com que as empresas foquem seus investimentos na recuperação de suas atividades, de forma a restabelecer o recolhimento de impostos a patamares similares àqueles de 2019 já para 2024, o que sem os incentivos somente seria possível em 2026, segundo dados levantados pela FGV”.
Cadê o Simples?
Explicando de forma resumida, toda empresa precisa contabilizar tudo o que acontece no seu dia a dia para contabilizar os impostos. Somar (e comprovar) todas as despesas como os salários, benefícios, água, energia elétrica, etc. Então deduzir os gastos de tudo o que entrou (as receitas) e então apurar o lucro. É sobre o lucro em que são calculados os impostos. No caso de prejuízo, a empresa comprova que não ganhou dinheiro e, por isso, não paga.
Esta burocracia demanda tempo e dinheiro, se tornando impraticável para micro e pequenos empresários. Para viabilizar este tipo de empresa, foi criado o sistema Simples. Todos os impostos foram unificados em uma alíquota só, calculada sobre o faturamento, sem a necessidade de que seja apresentada a contabilidade com as mesmas regras dos grandões.
Para que uma empresa consiga aderir ao programa Perse, ela teria que optar deixar o sistema Simples, e apresentar a contabilidade nos padrões das médias e grandes empresas. O custo que isso implicaria, por tanto, não compensa a economia que teriam com os impostos.
Na prática, o dono da pequena casa de show na Vila Madalena, os festivais de pequeno e médio porte, os promotores de eventos de música eletrônica, os donos das empresas de segurança, nenhum terá, pelo menos ao que sabemos no momento, uma “forcinha” para se levantar do tombo.
Sabemos também que o nível de terceirização é enorme no setor, principalmente no que diz respeito aos festivais: segurança, limpeza, alimentação, som e técnica, todos serviços prestados por empresas subcontratadas (e pequenas).
Então, quem realmente vai se beneficiar do PERSE?
“Apesar da indignação gerada por tal restrição e alguns questionamentos realizados perante o Poder Judiciário, as normas seguem válidas, sem previsão de nenhuma norma estendendo o referido benefício aos micros e pequenos negócios enquadrados no Simples Nacional. Entretanto, é possível que tais empresas venham a se aproveitar desses benefícios, mediante alteração de seu regime tributário no início do próximo exercício (2023). A opção pelo Simples Nacional é anual e pode ser alterada para o lucro presumido ou até mesmo lucro real, por escolha da empresa” – explica Nicolodi, pontuando o cuidado que se deve ter ao colocar na ponta do lápis os prós e os contras de uma eventual mudança no regime de tributação de uma empresa.
No que diz respeito ao fogo do público no pós pandemia e da força de vontade por parte dos produtores do setor de cultura, uma época de crescimento nos espera. Mas é necessário que o governo também faça sua parte.