David Bowie como Ziggy Stardust David Bowie como Ziggy Stardust – foto: divulgação

50 anos de Ziggy Stardust, o deus rockstar inventado por David Bowie que influenciou o mundo. Conheça 10 curiosidades sobre o marciano mais famoso da história

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Há 50 anos, “nascia” Ziggy Stardust.  Cultura japonesa, astros do rock’a’billy e sim, Iggy Pop, ajudaram a compor a personagem que libertou David Bowie dos Hippies e mudou o mundo da música pop. Conheça 10 curiosidades sobre a história do marciano mais famoso da história.

Que tal ler esta matéria ouvindo Ziggy Stardust & Spiders from Mars? O player está no final!

Houve um tempo em que artistas acabavam virando escravos de si mesmos. Ao alcançar fama e fortuna apoiado por milhares de fãs, acabavam sento obrigados a subir ao palco e manter a imagem que um dia os projetou e que não necessariamente os representavam mais.

Anos, décadas, tocando as mesmas músicas e projetando do palco para a plateia aquilo que um dia fez com que o público por eles se apaixonassem e, claro, era o que buscavam ao comprar o ingresso para o show.  Esta armadilha existe até hoje. Quem não se lembra da cara de tédio de Kurt Cobain ao executar, pela milionésima vez, Smells Like Teen Spirit?  E o que dizer sobre Amy Winehouse, cujos shows eram lotados por pessoas mais preocupadas em flagrar os deslizes de uma garota afundada nas drogas do que aproveitar seu talento como intérprete?

O motivo que levou David Bowie a criar a figura fictícia Ziggy Stardust trazia um pouco deste sentimento, como veremos a seguir. Bowie, na ativa há mais de uma década, queria desvincular sua imagem da cultura hippie.  A saída encontrada pelo astro inglês, além de muito bem sucedida, acabou virando recorrente em sua carreira. Em dado momento, esperávamos o que David Bowie iria inventar no próximo álbum. Ninguém mais queria uma sequência do lançamento anterior.

Bowie encontrou o Santo Graal da arte.

A solução genial encontrada por ele se tornou desde então uma elixir para o tédio que artistas sentiam no desenvolver de suas carreiras. Em menor ou maior grau, todos enxergaram uma fórmula para fugir da adoração xiita de seus fãs e encontrar a tão sonhada liberdade de criação. Em O Dia Em Que A Terra Parou, álbum de 1977 de Raul Seixas, o cantor aparece de terno é óculos na capa do álbum, cheio de canções com letras existencialistas e mundanas, com a clara intenção de liberar o artista da idolatria mística que os fãs tinham com o “gurú”. A islandeza Björk foi uma das artistas que mais se ispirou no modo de operação de Bowie. Cada um de seus discos, muito mais do que um ajuntado de músicas, era um conceito e uma ruptura com o trabalho anterior.

Ziggy Stardust apareceu pela primeira vez  dia 10 de fevereiro de 1972 em um show na pequena Surrey e “morreu” no ano seguinte. Neste pequeno tempo de vida, mudou o mundo como havia prometido com mensagens de esperança, pelo menos para seus colegas artistas. Conheça 10 curiosidades sobre o marciano mais famoso do mundo.

Ziggy Stardust, ou pelo menos seu corpo, era humano, e não alienígena

Apesar do look andrógino, pálido e indumentária espacial, Ziggy Stardust nasceu no planeta Terra. Sua missão de enviar esperança a um mundo prestes a acabar graças à escasses de recursos naturais lhe veio em um sonho enviado por seres antimateria de Marte, que então invadiram seu corpo e o transformaram uma espécie de deus alienígena rockstar.

A inspiração para a sua história veio de astros do rock’a’billy e, sim, Iggy Pop!

Vários artistas, conforme Bowie foi tendo acesso ao longo da vida, serviram de inspiração para a construção da persona Ziggy Stardust, incluindo o rockstar que viria a ser um de seus grandes amigos pela vida, Iggy Pop.

A primeira e maior inspiração foi o cantor rock’a’billy Vince Taylor. Depois de passar anos abusando das substâncias recreativas (lícitas ou não), Taylor teve um surto que o levou a acreditar que não era humano, mas sim “metade deus, metade alienígena”, exatamente a criação da personagem de Bowie.

Outro cantor da época, que ajudou na criação do nome, foi Norman Carl Odam, que se apresentava como Legendary Stardust Cowboy. Gene Vincent também emprestou parte de sua história para a criação de Ziggy. Bowie viu uma de suas apresentações com a perna quebrada depois de um acidente de carro.  A forma como ele se apresentava e dançava,  graças às restrições de movimento devido à fratura, foram copiadas por Bowie no palco, pois ele achou que tinha “um incrível efeito teatral”.

Iggy Pop também influenciou a criação.  Uma amiga de Bowie viu o show dos Stooges nos Estados Unidos e voltou à Inglaterra contando como se impressiou com sua performance catártica no palco.  Bowie, logo que foi a Nova Iorque, correu para ver Iggy Pop e confirmar o que a amiga havia descrito. O que viu ajudou a criar a atitude de Ziggy Stardust.

Vince Taylor

Vince Taylor, metade deus, metade alien – foto: reprodução Youtube

O nome Ziggy foi encontrado em uma alfaiataria

Bowie já estava no processo de criação da persona quando viu, de dentro do trem, uma alfaiataria de nome Ziggy’s Taylor Shop. Nome mais apropriado, impossível: além de trazer como lembrança o nome de uma das maiores referências de criação (Vince Taylor), Ziggy se parecia com Iggy. Uniu então Ziggy com o nome de outra “parte” do corpo da personagem Stardust (do Legendary Stardust Cowboy) e então sua criação já tinha a alcunha completa.  Para arrematar, batizou sua banda e o resultado veio ao mundo como Ziggy Stardust & The Spiders From Mars.

David Bowie e Iggy Pop

David Bowie e Iggy Pop – foto: reprodução Youtube

Ziggy Stardust é meio japonês

Existe muita coisa da cultura japonesa  em nosso querido rockstar marciano. O país fascinava Bowie, que não à toa convidou o estilista Kansai Yamamoto para desenhar sete diferentes modelos de roupa para Ziggy Stardust na segunda metade de sua turnê em 1973.  Bowie foi apresentado à Yamamoto por um amigo em comum, Yasuko Hayashi. Até então, as roupas que a banda e a personagem usaram haviam sido co-criadas pelo próprio Bowie e tinham como referência os trajes da gangue Droogs no filme Laranja Mecânica, de Stanely Kubrick.

Outra referência nipônica importante na turnê é o teatro Kabuki, de onde Bowie tirou a inspiração para as maquiagens. O artista conheceu a história das pinturas faciais usadas nos espetáculos japoneses depois de conhecer o ator Bando Tamasaburo, que lhe contou tudo sobre o assunto. Durante as turnês, as sessões de maquiagem para o show levavam duas horas e foi somente nas últimas aspresentações que Bowie adotou o icônico raio na face, mundialmente conhecida na capa do disco Alladin Sane, o segundo e último da personagem Ziggy Stardust.

 

Bando Tamasaburo

O ator japonês Bando Tamasaburo – foto: divulgação

Ziggy Stardust projetou o mullet para o mundo

O inesquecível mullet, aquele corte caipira americano que une franjas e laterais curtas com a parte de traz do cabelo comprida, veio à Bowie enquanto folheava duas revistas de moda diferentes. Em páginas da Honey, viu uma modelo vestindo roupas de Kansai Yamamoto (olha o Japão aí de novo). Na Vogue, um ensaio especial de cortes de cabelo com modelos francesas completou a ideia.

O sucesso de Ziggy Stardust transformou o corte de cabelo em uma verdadeira febre mundial.  Assim como o corte usado por Lady Di foi considerado “o cabelo dos anos 80”, o mullet de Bowie é o dos anos 70. Para onde se olhava, lá estava um belo mullet, usado por quem queria parecer antenado om as tendências da moda.

Na turnê de Bowie era comum ver muita gente indo ao show com o corte, cabelos alaranjados e maquiagem pálida.

Ziggy Stardust ( David Bowie) no palco

Ziggy Stardust e seu mullet – foto: reprodução Youtube

Ecologia, idolatria e outras críticas sociais

Ziggy Stardust tinha uma missão. Aparecia em um mundo pré apocalíptico, enfrentando problemas com a falta de recursos naturais. O estresse reinante fazia com que os adultos começassem a “perder o contato com a realidade” enquanto a juventude parava de se interessar pelo rock’n’roll, até porquê não haveria eletricidade para escutá-lo. Em pouco tempo, Ziggy Stardust começaria a ser adorado como um novo messias, um deus alienígena, pela sua massa de fãs.

David Bowie colocava então sua genialidade na futurologia. Cinquenta anos depois, o que mais vemos e experimentamos diariamente é a perda da noção do que realmente é real. A intenção de Bowie era criticar a idolatria com os quais os artistas eram tratados, o que realmente aconteceu com a persona Ziggy Stardust.

Ziggy Stardust não é o primeiro personagem de Bowie

Apesar de ser de longe o mais famoso, Ziggy Stardust não é o primeiro personagem criado por Bowie para os palcos. O artista já vinha praticando com outras experiências anteriores até ficar bem treinado para incorporar o marciano.  Em 1970, por exemplo, apresentou-se como Harry, the Butcher em sua turnê com a banda de apoio Hype.  Bowie também usou o nome de Rainbowman, vestindo roupas e botas brilhantes e coloridas, desenhadas com a intenção de fugir da estética “jeans e camiseta” que os rockstars usavam na época. Os shows até então eram pequenos e sem muito sucesso de público, mas são considerados como o momento de criação do Glam Rock.

Além disso, muito do estilo e performances do Rainbowman foram usados em Ziggy Stardust.

David Bowie vestido como Rainbowman

Davida Bowie incorportando o Rainbowman – foto: reprodução Pinterest

Ziggy fez Bowie competir com Beatles

Em 1973, um ano após a criação de Ziggy Stardust, Bowie se tornou o maior vendedor de ingressos da Inglaterra. Seus números, na história da música britânica, perdiam apenas para os Beatles.

O culto a Ziggy Stardust foi muito comparado pela imprensa inglesa com a beatlemania. Fãs histéricos, vestidos como o ídolo e o acompanhando nos shows. Icônico e muito interessante, já que a concepção da persona foi justamente para denunciar uma crítica à idolatria.

Um disco lendário

Quando a imprensa descobriu que o ensaio de fotos para a capa de Ziggy Stardust foram feitas no edifício Crown State, a prefeitura mandou fazer uma placa para celebrar o fato histórico. A homenagem, vejam só, não foram para Bowie, mas para Ziggy Stardust. Um dos poucos casos em que um personagem fictício ganhou uma placa no Reino Unido.

Os dois discos de Ziggy Stardust são responsáveis por vários dos maiores hits da história de Bowie: Moonage Daydream, Ziggy Stardust, Star, Sufragette City, Rock’n’roll Suicide, The Jean Jeenie e Time, todas estão nos dois álbuns. Ambos são incríveis do começo ao fim.

Os seres antimatéria de Marte trouxeram uma bela coleção de obras-primas para o mundo da música e marcaram a carreira de David Bowie para sempre.

capa de Ziggy Stardust

Capa de Ziggy Stardust * The Spiders from Mars

A morte de Ziggy, em 1973

Existem duas causas para a morte do alienígena mais famoso da história, após mais de um ano cumprindo sua função messiânica.

Bowie declarou em diversas entrevistas que andava meio bolado com esta coisa de incorporar uma personagem. A necessidade de se vestir e interpretar o marciano o tempo todo estava fazendo com que ele, segundo disse em entrevistas, temesse ficar completamente louco. David Bowie achava que poderia se transformar para sempre em Ziggy Stardust.

Uma treta com a gravadora RCA, porém, traz um aspecto bem mais prático ao assunto, ainda que a preocupação meio esquizofrênica de Bowie seja absolutamente plausível:  os executivos da gravadora ficaram pocessos ao saber que Bowie extrapolou em 300 mil dólares o orçamento previsto para a turnê americana da banda, a ponto de se recusarem a financiar qualquer outra próxima viagem da equipe. Parece que o alienígena Ziggy Stardust não estava muito acostumado com este estranho hábito humano de trocar coisas com pedaços de papel numerados.

 

 

 

 

 

 

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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