Thelma e Louise Imagem: divulgação

Trinta anos após seu lançamento, Thelma e Louise continua sendo uma dos mais importantes e disruptivos filmes de Hollywood. Donas de suas estradas e de suas vidas.

Yasmine Evaristo
Por Yasmine Evaristo

Após 30 anos ‘Thelma e Louise’, de Ridley Scott e Callie Khouri, se mantém atual e ainda pode impactar o público.

Nos últimos meses, o vencedor do Oscar na categoria Roteiro Original vem sendo muito comentado por abordar o impacto do trauma provocado por um estupro. Em Bela Vingança, vemos a protagonista Cassie (Carey Mulligan) traçando estratégias de vingança contra homens que se acham no direito de violar o corpo de mulheres vulneráveis. O filme trouxe mais discussões sobre cultura do estupro, patriarcado e sororidade pros debates contemporâneos. 

Entretanto, antes disso, em 1991 um road movie roteirizado por Callie Khouri e dirigido por Ridlley Scott também havia abordado esses temas. Em 24 de maio daquele ano, estreava nos cinemas dos Estados Unidos Thelma & Louise, com Geena Davis e Susan Sarandon como protagonistas e nele todos esses assuntos forma discutidos. 

De fato o filme é um ícone cinematográfico que marcou a cultura pop. Audacioso carrega em si muito mais do que apenas as imagens imortalizadas no imaginário. 

As estradas masculinas dos road movies 

Thelma e Louise

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Road Movie ou Filme de Estrada é um gênero cinematográfico no qual o filme é ambientado durante o deslocamento das personagens em uma viagem. A princípio esse deslocamento é apenas uma alteração na rotina, entretanto ele se desdobra em explorações não apenas geográficas, mas também pessoais. 

Assim, esses filmes são caracterizados por críticas a sociedade e cultura de uma época e também por serem filmes sobre dilemas masculinos. Só para exemplificar, de maneira muito resumida, no clássico Corrida Contra o Destino (1971) o motorista Kowalski (Barry Newman) é perseguido em direção ao oeste enquanto relembra sua ida ao Vietnã. De maneira semelhante, em Sem Destino (1969), dois motoqueiros traficantes atravessam o país em busca de diversão. Ambos filmes podem parecer rasos se conhecidos apenas por essas poucas palavras, mas guardam em si reflexões da contracultura: guerra, movimento hippie, vida em comunidade e uso de drogas. 

Similarmente são filmes sobre homens, lidando com questionamentos de seu lugar na sociedade, não considerando outra visão. Logo, Thelma & Louise surge em contraponto a essa visão, colocando no lugar de desgaste, violência e descoberta uma dona de casa e uma garçonete. 

Críticas ao conteúdo violento

Thelma e Louise

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Essas duas mulheres cansadas de suas vidas estão em busca de uma distração durante o fim de semana. Enquanto Thelma leva uma vida insossa de dona de casa sofrendo com os maus-tratos e descaso do marido, Louise é garçonete e está decepcionada com seu namorado. A vida delas gira em torno da casa ou do trabalho e dos relacionamentos. Assim as duas partem em uma viagem de fim de semana em busca de alguma motivação, como se esse distanciamento físico de onde vivem fosse um revigorante. 

E é isso o que acontece com elas. Após passarem por uma situação violenta, uma tentativa de estupro na qual Louise baleia o homem que atacou Thelma, elas fogem. Inicialmente na tentativa de encontrar uma solução e provarem que foi legítima defesa e posteriormente em sua jornada de autodescoberta. 

Embora na época do lançamento o filme tenha sido criticado pelo excesso de violência protagonizado por duas mulheres, o mesmo questionamento inicialmente parece não ter sido feito com relação a quantidade de violências e desconfortos aos quais elas são submetidas. Seus relacionamentos amorosos são abusivos, permeados pela violência verbal e ameaça física. Da mesma forma homens que elas encontram em seu caminho são abusadores, em sua existência enquanto mulheres, elas não têm paz. 

Thelma e Louise: donas da estrada e de suas vidas

Ademais o filme não trata apenas da reação das amigas contra esses diversos ataques sofridos. Vemos as duas criando autonomia para ter e executarem suas ideias, assim como acompanhamos o despertar sexual e entendimento sobre ter prazer em uma das personagens que mesmo casada não se sente satisfeita. 

Em cena vemos a mudança física das duas refletida na troca de suas roupas, retirada da maquiagem, falas e posturas. Thelma que se torna mais esperta depois de ser tapeada pelo amante J.D (Brad Pitt). Suas longas saias e sandálias que a deixam com os movimentos limitados são substituídos por jeans e camiseta. Da mesma forma podemos observar em Louise o descarte de suas bijuterias e acessórios. 

Esse desmonte da aparência urbana e da performance feminilidade não apenas fala sobre serem mais ágeis em sua fuga, mas também demonstra a retirada de uma polidez que as sustentavam como mulheres impecáveis e felizes. Ao retirar esses adornos elas retiram as expectativas criadas sobre elas e passam a lidar com seus anseios. 

*O próximo tópico contém spoiler sobre o final do filme. Caso você não o tenha visto, salte essa parte

Salto para a liberdade

Thelma e Louise

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A última cena do filme, na qual Louise acelera seu Ford Thunderbird verde em direção às colinas do Grand Canyon é emblemática. Há quem se frustre com o desfecho do filme, pois ele não tem a liberdade tão esperada para as duas. Inevitavelmente, nos pensamentos forjados por meio dos contos de fadas o ‘…e viveram felizes para sempre.” não cabe àquelas mulheres. 

Aquela estrada do Arkansas não leva ao Mundo de Oz em que um mago benevolente as ajudará a voltar ao lar. O único lar com o qual elas podem contar são a amizade e proteção que se formou nos anos de convívio e foi consolidado naquele final de semana. Elas só têm uma a outra. Similarmente a tentativa de Hal (Harvey Keitel) em salvar as duas pela última vez é tocante. Entretanto ela aponta que ele é uma mudança de olhar dentre uma mar de preconceitos estabelecidos. 

Unidas somos livres

Se lembrarmos bem do início, o assédio sexual não é denunciado por uma delas saber que o fato da outra ter conversado, bebido e dançado com o abusador a deixa sem credibilidade. Essa cultura que culpabiliza a vítima, nesse filme, é o disparador de toda a confusão. Ao fim Hal questiona “Quantas vezes, Max? Quantas vezes elas precisas se ferrar?” pouco antes delas se lançarem no desfiladeiro. Sua reação é reprimida com o argumento de que ele nem deveria estar ali. Não importaria o que elas dissessem, caso se entregassem, sua sentença já estava predeterminada. 

A sua maneira, o roteiro de Callie Khouri as libera do retorno para uma vida de desrespeito, descrédito e humilhações, infelizmente com o encerramento de suas vidas. Ao receber o Oscar de Melhor Roteiro Original em 1992 a roteirista disse em seu discurso que aquele era o final feliz de Thelma & Louise. Trinta anos após seu lançamento, poder assistir ao filme e perceber que ele ainda trata de assuntos tão presentes em nossas vidas mostra que ainda estamos percorrendo essa estrada. 

Thelma & Louise um grande passo foi dado uma vez que elas foram mulheres que conduziram sua história. Em suas carreiras, tanto Susan quanto Geena se engajaram na luta pela equidade de gênero nas telas, impactadas pelas questões levantadas pela obra. 

O filme se encontra disponível no catálogo do Telecine Play.

Yasmine Evaristo

Artista visual, desenhista, graduanda em Letras - Tecnologias da Edição. Membro Abraccine, votante do Globo de Ouro (Golden Globe Awards). Pesquisadora de cinema, principalmente do gênero fantástico, bem como representação e representatividade de pessoas negras no cinema. Devota da santíssima trindade Tarkovski-Kubrick-Lynch.

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