Orbital Orbital – foto: divulgação

Há 30 anos, os ingleses do Orbital lançavam o disco que se tornou um dos maiores marcos da história da música eletrônica

Raul Aguilera
Por Raul Aguilera

O “disco verde” do Orbital, foi lançado há exatos 30 anos. Conheça a história do lendário duo inglês pelas palavras da lenda do techno Raul Aguilera, convidado do Music Non Stop

Orbital – (The Green Album)

Há exatamente 30 anos era lançado um dos primeiros álbuns de música eletrônica da nova leva de bandas e live p.a. que surgiram na esteira do boom das raves inglesas em 1988, também conhecido como o segundo verão do amor. Lembrando que o primeiro verão do amor teve seu epicentro nos Estados Unidos em 1967, com o boom do movimento hippie e seu ideário de paz e amor.

Os dois primeiros álbuns do Orbital são homônimos, um detalhe curioso. Informalmente são conhecidos pelas cores de ambos. O primeiro sendo verde é chamado de “The Green Album” e o segundo, marrom, “The Brown Album”.

Para entender de onde saiu a dupla que compõe o Orbital, temos que relembrar o cenário das raves inglesas da fase 1988-1992, embalados pelos sons plásticos da acid house, que decretaram antecipadamente o fim dos anos 1980 e destacou o quê veríamos dos anos 1990 em diante nesse departamento gigantesco que responde pelo gênero musical chamado de música eletrônica, seja para as pistas ou para curtir nos fones de ouvidos, jogado no sofá.

Obviamente aqui na Terra Brasilis só escutávamos alguns ecos longínquos do que acontecia no hemisfério norte do planeta: sons mais pops como a ítalo house, muita produção holandesa/belga/alemã de viés mais comercial (o tal do eurohouse) e um ou outro lançamento pontual das primeiras tentativas em forma de álbuns eletrônicos que o pioneiro selo Stiletto jogava para o mercado de discos. Nessas, acabamos conhecendo e nos apaixonando pelo Bomb The Bass (com o fundamental álbum Enter The Dragon), Coldcut, Front 242 entre outros nomes. Havia ainda o lançamentos de selos grandes que nos propiciaram a comprar os dois primeiros álbuns do Inner City, o mais bem sucedido projeto saído de Detroit nos Estados Unidos na virada das décadas 80-90.

Para quem como eu que morava no interior do país ( no meu caso Maringá, norte do Paraná), restava apenas sonhar em um dia cair numa dessas festas ao ar livre como as que estavam ocorrendo na Europa naquele momento. E se virar com fitas cassetes gravadas dos programas das rádios de São Paulo e Rio de Janeiro para acessar tudo o que havia de novo nesse bravo mundo novo que a Eletrônica nos prometia. Ah sim, nos fins de semana nos esbaldávamos na pista dos clubes mais eletrônicos de Maringá, no caso a Kalahari e a Yellow, sendo este último o grande responsável pela formação de toda uma geração que depois viriam ser chamados de “clubbers” e novos DJs (eu incluso).

Mas focando no tema principal, como a maioria das pessoas de todo o Brasil nessa fase de descobertas da noite, tivemos contato com a belíssima produção “Belfast” do Orbital apenas em 1994 na compilação “Techno & Trance Vol.1” do DJ José Roberto Mahr lançado pelo selo Mercury da gravadora BMG-Ariola. Lembrando que nessa época não tínhamos lançamentos de singles no país, quando muito comprando os tais lançamentos de discos 12” a peso de ouro em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Então imagine a defasagem que era para chegarem as novidades mais ousadas até os ouvidos sedentos de sons diferenciados para quem morava no interior. Internet, mp3, streaming? Isso não tinha nem nos filmes, livros ou quadrinhos de ficção científica.

Em tempo: o vocal angelical que flutua por cima de Belfast foi retirado da peça de coral “O Euchari” de Hildegard Von Bingen.

Graças a essa bela introdução à obra do Orbital, na sequência ouvimos a hipnótica “Chime”, a qual depois viríamos a saber que tinha sido hino das tais raves inglesas em 1990 e se tornado numa das tracks mais influentes da música eletrônica ao lado de “Strings of Life” do detroiter Rhythm Is Rhythm .

Esta track, porém, não tem o apelo melódico/emocional de “Belfast”, embora seja daquelas músicas que vão crescendo a cada nova audição para ouvidos menos acostumados a longas faixas instrumentais repetitivas.
Após esses dois singles digeridos, finalmente nos interessamos pelos nomes dos componentes do projeto: tratava-se de dois caras de mesmo sobrenome – Phil e Paul Hartnoll. Eram dois irmãos que se apresentavam ao vivo com aqueles óculos que trazem iluminação nas laterais, detalhe que acabou se tornando uma das marcas visuais da banda.

Mais contexto: nessa época de começo das raves os nomes que se tornaram conhecidos como projeto/banda/live p.a eram Guru Josh, Adamski, The KLF, LFO, 808 State, The Prodigy, Altern8 e o americano Moby.

Logo o Orbital se juntou a esse primeiríssimo time, lugar onde se encontra até hoje. O que se soube depois sobre a criação desse primeiro álbum é que suas tracks foram compostas ao longo dos primeiros anos do projeto dos irmão Hartnoll, onde não existe a mesma coesão que se notaria nos álbuns seguintes. “The Moebius” traz aqueles típicos loops de voz que iremos ouvir em obras futuras da banda, além do breakbeat comendo solto na base e os plinks-e-plonks que são outra identidade sonora da banda.

Em “Speedfreak” nota-se já uma certa entrada de notas musicais mais identificáveis, ao contrário da anterior e de outras, coalhadas de ruídos brancos. Uma bassline TB-303 serpenteia por cima de tudo, lembrando que acid house era logo ali. “Fahrenheit 303” é a mais funky de todas as faixas o que me faz pensar que ela renderia vários remixes interessantes nas mãos dos produtores certos.

Não há dúvida que o ápice das produções do grupo se daria alguns anos depois deste primeiro disco, quando seriam lançados os terceiro e quarto álbuns da banda, respectivamente “Snivilisation” e “In Sides”.

Se um dia o Kraftwerk teve praticamente seu começo radicalmente eletrônico com o álbum Autobahn, o Orbital debutou em grande estilo com este disco. E não, a associação não é gratuita, eu acho que o Orbital na década de 1990 é o herdeiro natural do quarteto alemão, com pitadas da estética do techno de Detroit, cena que aliás deve muito também aos 4 de Dusseldorf.

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