John Acquaviva John Acquaviva. Foto: Sven Marquardt/Divulgação

John Acquaviva e o protagonismo brazuca na Definitive Recordings

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Duo brasileiro From House to Disco é protagonista em nova coletânea que resgata a clássica label dos anos 90; falamos com o icônico fundador do selo

John Acquaviva está entre nós desde sempre. Conheceu e ficou amigo da nata de Detroit (que fica a menos de quatro horas de carro do Canadá, sua terra natal) no momento em que a revolução do techno acontecia por lá. Fundou, ao lado de Richie Hawtin, o Plus 8, um dos mais importantes selos da história da música eletrônica, e também a Definitive Recordings, nos agora longínquos anos 90, com a parceria de Hawtin e Karl Kowalski.

Desde então, não parou mais de rodar por ai. São estas credenciais que fazem tão importante o lançamento das brasileiras do From House to Disco. A coletânea Disco House For All saiu dia 16 de agosto e já é um marco da potência da música eletrônica made in brazil.

O disco tem uma sacada bem especial. Trata-se de uma viagem musical em que Bruna Ferreira e Lívia Lanzoni compilam e revisitam faixas clássicas do catálogo da Definitive. A dupla remixou músicas de Blunted Dummies, Las Americas, Barada e Wax Fruit. O lançamento ainda conta com remixes extras de outros convidados, como o próprio Acquaviva, Boomjack e Happy Organ, mas foi destinada ao FHTD a missão de tomar conta da maioria dos sons.

Aproveitamos a oportunidade para bater um papo com John Acquaviva, ele em Ibiza e a gente aqui no quartel general do Music Non Stop, sobre música, o papel das gravadoras e dos artistas, e principalmente, o caminho que o levou a conhecer e trazer para a “família Defintive” nossas artistas do From House to Disco.

Jota Wagner: Bem, começamos pela pergunta inevitável, até pelo motivo que nos conectou hoje. Qual sua história com o Brasil?

John Acquaviva: É uma conexão com diferentes gerações. Acho que minha primeira vez foi nos anos 90, em um clube chamado Floresta. O Brasil e a América do Sul eram muito exóticos para mim. Toquei com o Jeff Mills, eu já tinha minha história com o Plus 8. Me lembro que foi durante o verão, e depois todos nós dirigimos para o litoral. Depois disso, visitei muitos lugares daí. Também toquei no clube Lov.e, em um festival em Campinas, no D-EDGE… Tenho ótimas lembraças, tempos maravilhosos.

Eu gosto de ver gente bacana dançando, gosto de música sexy, e isso é algo que sempre encontrei no Brasil. Um país que tem ritmos maravilhosos. Um dos meus artistas favoritos de todos os tempos é o Airto Moreira. Uma de minhas cantoras prediletas é a Virgínia Rodrigues. Tem a voz de um anjo. O Brasil, definitivamente, tem um lugar no meu coração.

Os clubes estão passando por um momento difícil agora… Será que tem volta?

Cada país tem sua política específica em relação a clubes. E hoje anda tudo muito caro. Mas eu acho que sempre tem o “momento” do clube. Festival é algo que as pessoas vão uma vez no mês. Clube é para ir toda semana. Apesar de gostar dos dois, eu gosto mais de ir a clubes. Mas está difícil, porque você não pode mais ter o mesmo público em um lugar durante todos os dias da semana. E hoje em dia, em uma cidade grande, é caro manter uma casa, você precisa ter movimento a semana inteira.

Hoje é preciso manter uma noite de techno, uma de reggaeton, outra de ritmos mais comerciais. É um grande desafio. Além disso, nem todas as gerações têm consigo uma cultura de clube. Também acho que os pequenos lugares têm de fugir desta coisa do que está fazendo sucesso no momento. Isso é para festivais. Um clube precisa de pessoas que querem sair e ouvir boa música. Um lugar onde pessoas lindas querem fazer festa.

É verdade que você decidiu fundar a Plus 8 porque não conseguiu encontrar um selo em Detroit?

Não, não. Eu já era um DJ muito conhecido nos anos 80, no Canadá. Eu comprava discos em Detroit e já conhecia todo mundo, éramos uma família. A primeira pessoa que eu conheci depois do Richie Hawtin foi o Derrick May. Ele já estava trabalhando com o Juan Atkins e o Kevin Saunderson. Eu ia visitá-los. Eram muito amigos. Tenho um respeito profundo por eles.

Mas eles tinham suas próprias coisas rolando, o Kevin já era um grande sucesso. O Derrick, internacionalmente reconhecido. Eu já fazia sucesso, mas não fora do Canadá. Nós tínhamos nossa própria interpretação da música, do que a música é, e por isso fundamos o Plus 8. Mas sempre estivemos todos juntos.

Eu sou mais velho que os caras de Detroit, mas para mim, eles foram os meus irmãos mais velhos, porque já estavam mais famosos internacionalmente. E é sempre bom ter um irmão que te inspira. Amo muito esses caras. Já o Hawtin era meu irmão mais novinho.

Qual a razão de ser de um selo hoje, comparando com os anos em que você fundou a Definitive e a Plus 8?

Muito boa essa pergunta, porque a resposta realmente é: depende da época. Na época da origem da house e do techno, significava uma família. A Plus 8 era a nossa família do techno. A Metroplex, a família do Juan Atkins. Era uma casa, metaforicamente falando. Alguém tinha um estúdio, e todo mundo se reunia lá para fazer música. Hoje em dia, muitos selos viraram uma marca. Nos anos 90 não era assim. Eu sou do underground. Não gosto de marcas. Não uso logos.

Hoje está um pouco diferente, porque antes era uma abordagem mais coração e família. Não precisa ter um estúdio caro. Mas tem de fazer música do coração. É o que fazemos na Definitive Records, lançando coisas para DJs que gostam de belas músicas. Tudo sob o olhar de um artista. Pode fazer música com uma colher, com uma panela, como fazia o Airto. Se fizer um bom ritmo e vier do coração… É um trabalho que eu faço junto com o Roland (Leesker), é realmente uma paixão. E por sorte temos encontrando vários artistas da nova geração, inclusive no Brasil, que pensam desse jeito. É como dizia meu amigo Eddie Amador, “nem todo mundo entende a house music, é uma coisa espiritual”.

Por muito tempo, eu comprava um disco só por causa do selo, sem ainda conhecer o artista…

Sim, porque era a sua família, e não uma marca. Não era um Rolex ou um Louis Vuitton

E o que faz você decidir se um artista se encaixa na Definitive, por exemplo?

Reconhecer que está dentro da nossa definição de música. Somos bem abertos em relação ao estilo musical. Não precisa estar na moda ou falar para esta ou aquela geração. A música é linda? Então, pronto. É um contrato de beleza. Se tem sentimento, tem a nossa energia, se vem do coração, nos serve.

Muita gente faz a música do momento, mas não tem sentimento. Os mesmos loops usados em cem músicas diferentes, meio copia e cola. Precisa ter alguma originalidade. Não estou dizendo, claro, que tudo o que fazemos é criativo, mas é um pouco mais honesto. Vejo muita gente desesperada para fazer algo que está na moda, e isso não é legal. Não é fácil, mas seja você mesmo. Talvez não fique rico, mas tente o seu melhor. Os meus artistas favoritos não são os mais ricos, mas são os melhores, porque fazem de coração. Não existe valor para talento e qualidade.

From House To Disco

From House To Disco. Foto: Divulgação

E como você se conectou com as meninas do From House to Disco? Foi através do Roland?

Sim. É engraçado. Conheço ele por mais de 30 anos, desde quando ele trabalhava na Delirium, em Frankfurt. O Roland era o cara que mostrava os discos da loja. “John, você tem que ouvir, é lindo!” Ficamos em contato, e ele me contou que estava indo muito ao Brasil. Foi assim que conheci as garotas do FHTD. A Mary Olivetti também. Adoro todo mundo, gente linda, talentosa e, de novo, trazem uma energia fresca e uma nova dimensão. Uma sensação moderna e de respeito. Graças a Deus e ao Roland, agora sou amigo de uma nova geração supertalentosa. É legal eu ter um pouco de crédito, mas nesse caso, é tudo mérito do Roland. Sou apenas o turista comentando as músicas.

Nós, da house e do techno, existimos por causa da tecnologia. Você tem medo das novas ferramentas que estão surgindo?

Eu não tenho medo de nada, na verdade. Tenho uma longa história, fiz muita coisa. Tento entender e aprender quando algo novo aparece. Amo o vinil e meus toca-discos, amo a minha arte e sou um músico de verdade. Mas sim, ajudei a criar o Final Scratch, o Beatport, não tenho ciúmes dos DJs que tocam com digital.

A única coisa que digo a eles é: respeitem quem sabe mixar e contar uma história. Não toque música ruim só porque o público quer ouvir. Se você é um artista, sua função é compartilhar a beleza com o mundo. Todo o dinheiro do mundo não faz de você rico. Todo o dinheiro do mundo não faz você rico.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.